sábado, 30 de outubro de 2010

Veneno do Bem


Mosquitos zunindo no vitral, pernilongos sobrevoando o cômodo, baratas correndo para lá e para cá, formigas encarrilhadas subindo a parede e uma professora de química desempregada dividindo seu humilde barraco com todos esses insetos asquerosos.

Cansada de ter que aturar essas pragas, ela juntou suas últimas economias e foi ao mercado, a fim de comprar algum produto que resolvesse seu problema. Ao entrar no setor de objetos de limpeza e demais acessórios domésticos, deparou-se com inúmeros inseticidas. Analisou todos e pegou aquele que era mais barato.

Ao chegar em casa, espirrou o líquido em todos os cantos. Os mosquitos tentavam atravessar o vidro da janela; os pernilongos voavam desorientados; as baratas giravam tontas; as formigas paravam de andar. Em pouco tempo todos os insetos estavam mortos.

Mortas também estavam todas as suas flores. E não era só isso: devido ao líquido do inseticida, as paredes estavam molhadas, os móveis haviam se manchado, as comidas tiveram que ser jogadas fora, e sua casa ficou com um fedor horripilante.

Diante de tal cena, ela teve uma ideia fenomenal: usar o conhecimento que tinha na área de química e desenvolver um inseticida diferente, um que não causasse tantos danos.

Voltou ao mercado, comprou várias marcas diferentes de inseticida no cheque pré-datado, estudou todas as fórmulas, fez do seu quarto um laboratório. Em algumas semanas, havia desenvolvido o primeiro inseticida com cheiro de morango.

Patenteou seu produto e, em seguida, escreveu cartas para as mais famosas empresas de inseticida. Dentro de poucos dias, seu celular sem créditos não parava de tocar. Todas as empresas haviam gostado da ideia e estavam a fim de patrocinar o lançamento do produto.

Os valores oferecidos foram altos... A última que ligou ofereceu mais de milhões. A professora aceitou e ficou rica. Sua invenção hoje vende mais do que água em dia de seca.

Se os insetos realmente vão embora após o uso do inseticida, isso ninguém pode responder; mas que a casa de quem o usa fica com cheiro de frutas frescas, isso é inevitavelmente garantido.

sábado, 23 de outubro de 2010

Descendo...


Entrei no elevador e o casal estava lá, um de cara virada com o outro, como se tivessem acabado de brigar raivosamente. Fui para a parede do fundo, não cumprimentei ninguém, contribuindo para manter o silêncio daquele recinto.

O elevador descia e os rostos franzidos não se moviam. Sabia que eles não viam a hora de sair daquele elevador para não terem mais que ficar próximos. A vontade deles, no entanto, foi interrompida — porque a energia foi interrompida.

Presos entre o primeiro andar e o térreo, a luz de emergência se acendeu, servindo de abertura para uma estranha discussão entre o casal.

— Você sabe que eu jamais o perdoarei pelo que fez, não é, Nei?

— Até agora não entendi por que é que você se magoou tanto, Cida.

— Você matou a Madama Guadalupe! Ela era minha personagem preferida. Você não tinha esse direito.

O autor decide tirar a vida de uma personagem e um casamento fica abalado por isso. Isso sim parece uma história de ficção.

— Nei — disse, apontando o dedo indicador para o nariz do marido. — Nei, você ainda vai se arrepender por esse assassinato.

— E você, Cida, vai se arrepender se continuar apontando esse dedo para mim.

— Ah, é? O que você pode fazer contra meu dedo?

O homem não demorou a agir. Abriu a boca o máximo que conseguiu e a levou em direção ao dedo, abocanhando-o com força. A mulher berrou mais por ódio que por dor. Deu a réplica: abocanhou a mão inteira do companheiro.

O homem aumentou o tamanho da mordida e pegou até o pulso. Ela, em contrapartida, ia engolindo o braço dele sucessivamente.

Ele mastigava o cotovelo dela, enquanto ela já mordiscava a clavícula dele. Era impressionante assistir à cena de um casal se devorando, sem se importar com quem estivesse ao redor.

Num súbito, a luz de emergência também queimou, deixando-nos em um escuro total. Não era mais possível ver a refeição exótica do casal, mas dava para ouvir os horrendos barulhos de dente batendo em osso e sangue se misturando com saliva.

Quando a energia voltou, as portas logo se abriram. Incrédulo com o ocorrido, fui o primeiro a sair do elevador, fingindo que não havia visto nada de anormal. Ninguém saiu depois de mim; ninguém ficou lá dentro.

sábado, 16 de outubro de 2010

2º Congresso de Educação de Alumínio


Há algo mais gostoso do que escrever sobre momentos em que a gente se sente bem, na companhia de pessoas que nos agradam e são responsáveis pelos sorrisos nos nossos rostos? Com certeza, não há. Por isso, a coluna desta semana é inteiramente dedicada ao 2º Congresso de Educação de Alumínio, ocorrido nos dias 13 e 14 de outubro.

Como estagiário do Departamento de Educação, atuando na E. M. Profª Isaura Krüger, me ofereci para participar do evento e minha inscrição foi gentilmente aceita. No Congresso, além de rever os professores que deram aula para mim na pré-escola, no fundamental e no médio, ainda conheci gente nova e que já deixou sua marca em minha vida.

Quanto às palestras e aos palestrantes, ficam os elogios! A primeira palestra ("Atores da Inclusão: formação e compromisso", da Profª Drª Maria Tereza Egler Mantoan), feita no dia 13, mostrou a realidade no método de ensino e na dificuldade em enturmar determinados alunos, mas sugeriu formas de como os professores devem ser criativos para contornar todas as dificuldades.

A segunda palestra ("Como formar a pessoa do futuro na escola do presente", do Prof. Cezar Braga Said), no dia 14, não só informou como também divertiu e atraiu a atenção de uma forma surpreendente. Com histórias de vida e metáforas que podem ser aplicadas ao dia a dia, ele foi muito aplaudido e cumprimentado.

A terceira palestra ("A Verdadeira Avaliação: Útil, Viável, Ética e Precisa", da Profª Drª Thereza Penna Firme) já começou causando risos e despertando o interesse, com comparações satíricas da idade da mulher com os continentes¹ e da idade do homem com os tipos de jornais². Foi longa, mas envolvente.

Infelizmente, saí às 15h e não assisti as outras duas palestras. Ficar até o final me impediria de escrever este artigo, de antecipar os trabalhos para a manhã seguinte e de terminar as atividades pendentes da faculdade — preciso dar atenção especial a esta, senão não haveria estágio e, consequentemente, não haveria este relato.

Por não ter ficado até o último minuto, corro o risco de não receber o certificado de participação, mas acredito que o conhecimento que adquiri nas horas que fiquei lá valem muito mais do que qualquer pedaço de papel.

Espero continuar sendo convidado para participar desses e de outros eventos que tanto iluminam a cidade de Alumínio.

¹ "Dos 15 aos 20 anos, a mulher é como a África: meio virgem, meio explorada. Dos 20 aos 30, é como a Ásia: cheia de mistérios. Dos 30 aos 40, como a América: eficiente e cooperadora. Dos 40 aos 50, como a Europa: meio cansada, mas ainda aproveitável. Depois dos 50, é como a Oceania: todo mundo sabe onde fica, mas ninguém se anima em ir até lá."

² "Dos 20 aos 30 anos, o homem é como jornal local: sai todo dia. Dos 30 aos 40, é como semanário: sai só nos fins de semana. Dos 40 aos 50, é como jornal mensal: uma vez por mês é olhe lá. Dos 50 os 60, é como jornal semestral: só nas férias de julho e no final do ano. Depois dos 60, então, se torna edição extraordinária!"

sábado, 9 de outubro de 2010

Concurso de Matemática


Um verdadeiro gênio da matemática, Alessandra podia ser considerada uma calculadora ambulante; era capaz de resolver em questão de segundos as mais complexas contas do mundo numérico.

O primeiro contato dela com os números foi logo na maternidade, quando tomou mamadeira pela primeiríssima vez. Seus olhinhos de cachorrinho com imensurável energia fixaram no indicador de medidas. Era possível que não se lembrasse, mas, nos primeiros minutos de vida, soube que estava bebendo 30 mililitros de leite.

Ao ficar maiorzinha, aprendeu, ainda na escola primária, a identificar os algarismos arábicos e distingui-los dos romanos. E, assim, ficou perdidamente apaixonada por ambos. Tanto o 1 como o I serviam para mostrar, entre seus gostos, em que lugar a matemática estava.

Em testes de aritmética, era a primeira a realizar todos os exercícios e entregar sua prova, para que o professor colocasse, logo de cara, a nota que nunca mudava: 10. Jamais fora avaliada com uma pontuação menor que dez; podia ser considerada a melhor aluna da cidade.

E foi graças a todo esse prestígio que, no final de sua adolescência, fora convocada a participar de um concurso nacional de matemática, representando o município em que vivia. Tranquila, ela foi de peito estufado e queixo erguido, crente que traria a medalha de ouro para casa.

Nem um pouco ansiosa, ela assistia aos que estavam em sua frente. E não conseguia acreditar como os competidores erravam coisas tão banais, problemas absurdamente fáceis. Isso lhe dava ainda mais confiança de que ocuparia o lugar mais alto do podium na entrega dos prêmios.

Bastou ouvir um dos jurados chamar por seu nome que ela levantou-se rapidamente e dirigiu-se até o centro do palco. A conta que precisaria resolver foi enfim sorteada, retirada de uma urna imensa, com diversos exercícios matemáticos.

Antes de lhe apresentar o cálculo que teria que solucionar mentalmente, o júri se entreolhou e começou a cochichar entre si. Ninguém da bancada cria que tal operação fora escolhida para a lista de exercícios do tão importante concurso, que abrangia todo o país.

O suspense causado pelos realizadores da competição não preocupou Alessandra. Ela tinha certeza que estava altamente capacitada para responder, na lata, o que lhe perguntassem.

— 3x3... — disse o jurado da ponta esquerda, após o regulamento ter sido discutido pela quarta vez e chegarem a conclusão de que, mesmo sendo injusto para com os outros competidores, a conta precisava ser feita.

Sorrindo, ela ergueu a cabeça e preparou-se para responder. Entretanto foi obrigada a fazer uma pausa. O silêncio inesperado e a cara assustada de Alessandra foram responsáveis pelo burburinho entre os presentes. Parecia inacreditável, mas ela não sabia a resposta.

Por pensar ter um cérebro cem por cento ativo, Alessandra nunca estudou tabuada; nunca leu um livro; nunca contou nos dedos; nunca parou para escrever os números naturais.

Jamais colocou data no cabeçalho das páginas; jamais realizou uma chamada telefônica ou usou uma calculadora; jamais mudou o canal para o “Channel Nine”; jamais se esbarrou com uma expressão numérica onde aparecesse o nove.

Todos os dias, ouvia música das oito e meia às dez da noite. Durante o período da manhã, sempre esteve na escola, sendo assim, não teria motivos para consultar o relógio. Quando fez nove anos, para economizar dinheiro, sua mãe colocou sobre o bolo a mesma vela do ano anterior, a de número 8. Por causa desses motivos — e somente desses — a moça desconhecia o carismático número 9.

O tempo de responder à pergunta esgotou-se. A jovem mulher permanecia atônica. Uma ambulância ali presente a levou ao hospital, onde foi diagnosticada a depressão.

Um suicídio fora cometido. E por culpa do médico, que, sem saber o que se passava, o motivo da melancolia, receitou que a coitada tomasse um comprimido antidepressivo... a cada nove horas!

sábado, 2 de outubro de 2010

Cabelos Afiados


Ao terminar de pentear os cabelos, notou que um fio rebelde insistia em ficar espetado. Conhecedora das mais diversas técnicas de beleza, ela o enrolou no dedo indicador e, com um puxão, o arrancou.

Sentiu uma dor aguda, mas não foi na cabeça. Olhou para o dedo a tempo de ver a gota de sangue escorrer e cair na pia branca, ao lado do fio recém-tirado. Chegou a pensar que um piolho faminto a tinha mordido, mas isso não seria possível: nunca tivera uma lêndea sequer.

Temendo que estivesse com algum problema de pele que fazia sua derme ficar hipersensível, correu ao dermatologista. O doutor fez uma análise nas mãos da moça e não notou nada errado. Decidiu verificar o couro cabeludo, qual não foi a surpresa quando também se feriu com os cabelos da paciente.

A mulher já tinha tirado as próprias conclusões: fora amaldiçoada! Assim como a Medusa tinha serpentes no lugar dos cabelos, os dela haviam se transformado em lâminas. Decidiu, portanto, que ninguém mais os tocaria — para evitar machucados.

No caminho de volta do médico, notou um rapaz que lhe pareceu um tanto simpático. Querendo jogar-lhe um charme, fez com que os cabelos balançassem no sentido do vento. Infelizmente, alguns fios se encostaram ao rosto, resultando em feios arranhões faciais.

Desembestou ao salão de beleza mais próximo: iria raspar tudo! Estava tão firme na decisão que não se importou com o fato de a cabeleireira, não conseguindo cortar com a tesoura, ter sido obrigada a atender ao pedido com uma motosserra.

Prestes a dormir, olhava-se no espelho e se via careca, a cuca literalmente lisinha. A única lembrança que tinha dos cabelos eram as marcas na bochecha.

Angustiada porque não precisaria mais usar os seus cosméticos de beleza capilar, jogou-os no lixo sem pensar duas vezes.

Foi-se o creme de jaborandi; foi-se o condicionador de babosa; foi-se o xampu de cerol.