sábado, 26 de fevereiro de 2011

A plantação de doces


Se o assunto é doces, Serena é uma verdadeira formiga.

Quando tinha apenas duas semanas de vida, sua mãe a deixara dentro do carrinho de bebê próximo à mesa da sala. Sobre a mesa, bem no centro, havia uma bomboniere — um recipiente para guardar doces em geral: bombons, pirulitos, chicletes e principalmente balas. Sua mãe sempre colocava jujubas para que as visitas pudessem levar algumas antes de ir embora. Isso mostrava que ela era uma boa anfitriã.

Por mais impressionante que pareça, ainda bebê e sem saber nada sobre a vida, Serena pôde perceber que doces eram gostosos e, não tendo como se levantar do carrinho, pegar uma bala, tirar do papelzinho e chupá-la, ela tentou se esticar o máximo possível, até conseguir agarrar a toalha da mesa. Apoiando-se no tecido, ela conseguiu sentar-se no carrinho. Com um pouco mais de esforço, ela conseguiu e se agarrar à mesa e aí, foi fácil subir. Mas antes que ela pudesse pegar uma bala, sua mãe teve um treco.

Mais tarde, aos sete meses, Serena aprendera a engatinhar. Sua mãe deixava que ela engatinhasse por toda casa, uma vez que não havia nada de perigoso próximo ao chão. Serena adorava andar de joelhos. Ia para a cozinha, para a sala, para o quarto, voltava para a sala. Até ela sentir um cheiro de açúcar queimado e perceber que a vizinha estava fazendo pudim caramelado.

Com a ajuda de uma vassoura, ela conseguiu abrir a porta da sala que estava destrancada, pois seu pai já estava quase chegando do trabalho. Ela, então, vai para a área. De lá, observava o movimento da rua. Desceu, com muito cuidado, as escadas — três ou quatro pequenos degraus —, engatinhou até o portão e conseguiu passar por entre as frestas. Seguiu em direção à casa do lado, mas teve seu caminho interrompido por seu pai que, ao pega-la no colo, sentiu-se aliviado.

Alguns anos depois, ela estava na casa de sua avó. Olhando pela janela, ela vê o caminhão de lixo passar e deixar cair um saco com lixo no chão. Ainda vendo a cena, vê um gato revirando o lixo e pegando um pedaço de bolo com a boca. Ela continua assistindo e vê que o gato sobe no telhado da casa de sua avó. Sem pensar duas vezes, ela sai da casa e, dando uma de homem-aranha, tenta subir no telhado, se apoiando no cano da calha.

Quando já estava quase chegando perto do telhado, o gato dá um salto e cai em pé, no jardim. Serena tenta fazer igual e se joga daquela altura. Para sua sorte, ela cai nos braços da sua avó que tinha saído para saber quem é que abrira a porta. Foi a última emoção que a pobre velhinha viveu.

Ao mudar para sua nova casa, Serena descobrira que uma das moradoras da rua fazia suspiros para vender. Logo no primeiro dia em que se mudou, já foi comprar um pacotinho. Eram realmente deliciosos. Não se conseguia comer um só.

Serena se viciou naquilo. Todos os dias, ela comprava um saquinho. Não importa se estava sol ou se chovia, estava sempre na porta de sua vizinha — no horário de sempre — e dona Francisca já sabia disso.

Infelizmente, para Serena, ela teria uma notícia desagradável. Na hora em que já estava acostumada, ela foi à casa de Francisca. Dessa vez quem atendera fora a empregada. Serena disse que havia ido comprar um pacotinho de suspiros, e a empregada lhe entregou o último.

— Você deu sorte. Esse é o ultimo. Ainda mais que, amanhã mesmo, a dona Francisca vai se mudar.

Serena não podia acreditar que ficaria sem seu doce preferido. Tentando pensar num jeito de fazer com que os suspiros não saíssem de perto dela, Serena começou a relembrar do dia que passou no sítio de seu tio. Ele lhe ensinara que para ter mexericas, laranjas, maçãs, era necessário plantar uma semente. Serena não teve mais dúvidas do que fazer. Pegou a pá, abriu um buraco em seu jardim e plantou lá o saquinho de suspiros.

Dentro de três dias, brotou um lindo formigueiro.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Sete Horas


Todos os dias ela almoçava no único restaurante francês da cidade. Sempre às 11h, passava ligeira pelo espaço interno, ignorava a área destinada a fumantes e ia se sentar numa mesa ao ar livre sob a sombra de um guarda-sol. Frango ao vinho tinto e uma mescla de creme de leite e baunilha com uma fina superfície de açúcar queimado eram os pratos prediletos da senhorita.

Satisfeita, ia trabalhar. Diretora de um programa de variedades, passava do meio-dia às 19h orientando a apresentadora e os convidados para que o espetáculo exibido ao vivo ficasse realmente espetacular.

Na saída, praticamente esbarrava seu conversível preto no conversível também preto de outro diretor. Este um comandava o próximo programa de entretenimento, até as 2h.

O breve encontro acontecia diariamente, porém ambos não se conheciam nem por vista nem por nome, porquanto a equipe de produção não era alvo de fofoca nos bastidores.

Para ter a energia necessária para dirigir um programa em horário nobre, ele jantava todos os começos de noite, às 18h, na plataforma do Bon Appétit. Coincidência ou não, era comum ele pedir coq au vin e crème brûlée.

As horas são capazes de separar as pessoas, mas nem sempre por fuso horário. Os diretores moravam na mesma cidade, trabalhavam na mesma emissora, comiam no mesmo restaurante. Podiam ser considerados almas gêmeas, entretanto sete horas impediam que eles se encontrassem.

Ambos eram sócios do mesmo clube, alugavam filmes na mesma locadora, frequentavam a mesma loja de roupas, utilizavam o mesmo caixa eletrônico... Faziam exatamente a mesma coisa, embora com sete horas de diferença.

Certo dia, ele decidiu deixar o luxo e as guloseimas francesas de lado e fazer brigadeiro, o típico negrinho brasileiro. Era sábado de folga, e a luxúria por cacau fez com que ele saísse às 20h para comprar os ingredientes necessários. Logicamente, sete horas antes, ela já havia cozinhado o leite condensado com o achocolatado, por isso sentou-se para dar à massa o formato de bolinhas e polvilhar com granulado.

"O granulado! Como pude esquecê-lo?", pensou, dando um tapa na própria testa.

Sem o confeito, o brigadeiro não seria brigadeiro, mas uma pasta de chocolate, e isso não saciaria seu desejo. Teve, portanto, que correr ao supermercado em pleno crepúsculo de sábado. Não haviam planejado isso nem ela nem o destino.

Segurando o último pacote de chocolate granulado, eles se entreolharam pela primeira vez. Timidez, ternura e paixão tornaram o momento inesquecível. Na indecisão de quem levaria o produto, ela o convidou para enrolarem as bolinhas na casa dela.

Alguns minutos de conversa, grandes descobertas. Ambos haviam inclusive nascido no mesmo dia, sendo ele apenas sete horas mais novo.

O tempo passando, o sofá trocado pela cama, a conversa substituída por outros atos. A partir desse momento, deram início a uma linda história de amor.

Eram o casal perfeito: ela lavava parte das roupas sabendo que em sete horas ele lavaria o resto; ela pagava metade das dívidas, e ele pagava a outra metade sete horas depois; ela assistia tranquila à novela, pois ele só iria querer assistir ao jogo de futebol dali a sete horas.

Em pleno crepúsculo de um sábado ela foi chamada de última hora para dirigir uma edição especial do programa. Ele ficou em casa esperando um telefonema da emissora, pois obviamente faria plantão naquela noite.

Alguns minutos depois, ele ligou a televisão com o objetivo de contemplar o trabalho da namorada, mas se deparou com a notícia de um acidente. Não podia crer, mas o que via era um conversível chocado severamente contra um poste, os pedaços do automóvel preto espalhados pela pista. Aflição, espanto e dor tornaram o momento inesquecível.

A angústia espremia o peito e provocava um nó na garganta. Primeiramente pela trágica morte da amada, depois por saber que dentro de sete horas seria ele quem morreria.

Precisava se distrair e para isso tentou de tudo: varrer a casa, arrumar a cama, passar e dobrar todas as roupas, mas era inútil. Antes de realizar alguma tarefa, lembrava que esta já havia sido feita sete horas antes. De tal forma, restou-lhe apenas ficar sentado na poltrona, curtindo lugubremente suas últimas horas de vida.
Morreu. O coração parou de bater assim que o relógio indicou que sete horas tinham se passado desde o acidente.

O atestado de óbito constatou que de fato ele teve uma parada cardíaca, mas foi por causa da ansiedade e do nervosismo, visto que não sabia que a magia das sete horas já havia sido rompida após o falecimento da mulher.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Os Perfeitos Anões de Jardim


Sempre fora uma mulher esnobe e perfeccionista. Gostava de tudo em seu devido lugar e não deixava que se aproximassem de suas coisas para que elas não estragassem com tanta facilidade.
Percebeu que seu jardim estava simples. Comprou vários anões de porcelana para enfeitá-lo. Arrumou todos os bonequinhos de uma maneira impecável. O jardim ficara lindo. Sentindo-se realizada, apagou a luz da varanda e foi dormir.

No dia seguinte, quando acordou e olhou pela janela, notou uma pequena diferença em seu jardim: havia apenas 6 anões, e não 7. Saiu e olhou para os lados, procurando investigar, mas não encontrou nenhuma pista. Para que não ficasse estranho a seu ver, ela pegou uma plaquinha de madeira escrito: “Saí para almoçar. Volto em instantes.” e colocou no lugar do anão roubado.

No outro dia, acordara cedo, para preparar seu rico café da manhã. Assim que olhou da cozinha para fora, teve um treco tão grande que arremessou com tudo a cafeteira no chão, quebrando a jarra de cristal.

No jardim, agora, estavam apenas 5 anões... e 2 plaquinhas. Uma delas não fora ela quem colocara, portanto se aproximou, agachou e leu: “O Dunga me convidou para o almoço de hoje. Voltaremos em breve”.

Isso a deixou um tanto furiosa. Por isso, naquela noite, ela pegou sua vassoura com cabo inoxidável e ficou atrás da porta da cozinha, esperando que o ladrão aparecesse. Assim que escutou um barulho, acendeu as luzes e, dando um salto para fora, apontou a vassoura para o vulto — "Rá!"

O marginalzinho, que estava mascarado, saiu correndo. Mas ela, muito esperta e rápida, não deixou barato: de camisola e descalça, saiu atrás dele, pelo meio da rua, segurando a vassoura como se fosse uma espingarda.

Vendo que o indivíduo estava próximo, ela se jogou em cima dele. Para sua surpresa, assim que tirou a máscara que lhe escondia a face, viu que o bandidinho de meia-tigela era ninguém mais ninguém menos que... ela mesma!

Moral da história: A maior vítima do perfeccionista é ele próprio.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Primeira vez no mercado


Soraia, embora pareça absurdo, nunca tinha entrado em um supermercado. Sempre passava em frente e ficava olhando as pessoas estacionando seus carros — outras vindo a pé — e enchendo um carrinho com mercadorias. Seu sonho era um dia fazer isso.

Todavia, a culpa de nunca ter ido ao mercado não era só dela. Quando era bebê, sua mãe não gostava de levá-la, pois tinha medo de acabar esquecendo-a por entre os corredores.

Quando completou cinco anos, sua mãe continuava sem levá-la, pois temia que a desobedecesse e caísse no choro em meio as outras pessoas, por isso, deixava-a com sua irmã.

Quando se tornou adolescente e já sabia se virar sozinha, não ia porque seus pais sempre compravam o que ela queria e não precisava, pois, fazer compras.

Após sair da casa dos pais para morar sozinhas, Soraia continuou não indo, pois sempre ligava para que o serviço de entregas trouxesse as coisas até sua casa.
Sendo assim, Soraia acabou não sabendo qual é a sensação de fazer compras, até o dia de seu pagamento. Nesse dia, ela saiu mais cedo, pois ia comprar alguma coisa no supermercado, mesmo que não precisasse de nada.

Com o coração batendo mais forte, ela entrou no mercado. Seus olhos brilharam ao ver os corredores com prateleiras repletas de mercadorias. Primeiro, pegou um carrinho. Sentiu vontade de chorar quando tocou suas mãos nele. Depois, entrou no corredor de massas.

Com as mãos tremendo de emoção, pegou um pacote de macarrão. Colocou no carrinho. Pegou um pacote de lasanha. Colocou no carrinho. Viu que estava sendo legal colocar tudo no carrinho. Foi para outras prateleiras e continuou pondo tudo o que via no carrinho.

Quando o carrinho estava cheio, ela entrou na fila do caixa. Uma lágrima escorreu no seu rosto. Quando chegou a vez dela, sentia vontade de gritar aos quatro ventos. A mulher do caixa começou a passar a compra, enquanto um ajudante ia guardando tudo no saquinho plástico.

A emoção foi maior ainda quando um dos produtos estava com o código de barras amassado e a leitora não registrou, e tiveram que chamar um funcionário para verificar o preço. Finalmente toda a compra tinha sido computada.

— São 250 reais.

Soraia pagou. E foi em direção à saída do mercado feliz da vida. Quando colocou um dos pés para fora, a mulher do caixa gritou:

— Ei, você não vai levar sua compra?

— É claro que não! Eu já paguei por ela. Por que levaria?

E com a cabeça erguida e um sorriso no rosto, andava pela calçada, como se estivesse andando nas nuvens.