sábado, 25 de junho de 2011

SMS


Acontece toda vez que um tímido se apaixona: não tem coragem de falar sobre seus mais profundos sentimentos à pessoa que lhe conquistou o coração. No meu caso, não foi diferente. Todos os dias, a via passar perante mim, como se estivesse desfilando numa longa passarela. Esbanjava seu charme e sua formosura, além de deixar no ar o delicado aroma de sua fragrância.

Eu era um velho amigo. Mais do que qualquer outra pessoa, eu poderia dizer que de fato a conhecia. Talvez por isso não quisesse aceitar quando me percebi enamorado por ela. O convívio quotidiano despertara uma paixão inexplicável em mim. Tamanha era a afinidade entre nós dois, no entanto, que o medo de uma inimizade fez-me ocultar o novo sentimento.

“Sou um tonto. Por que fui me apaixonar logo por ela? É óbvio que não me ama...”, eu pensava, sentado em minha cama, abraçado ao travesseiro, como se buscando uma saída para essa embaraçosa situação. De repente, um pequeno som interrompe minha reflexão: meu telefone celular anunciava a chegada de uma nova mensagem de texto.

O remetente daquele torpedo SMS era justamente a pessoa na qual meu pensamento se encontrava fixado. O conteúdo não era nada de mais... talvez um pouco extraordinário, mas não capaz de provocar um abalo físico ou emocional. Em suma, comunicava uma façanha de seu gatinho — parece que o bichano tinha a capacidade de andar sobre duas patas.

Fascinante! Não tanto o fato de o gato ser uma espécie de animal superpoderoso, mas o de que eu encontrara a solução para minhas incertezas. Enviaria uma mensagem de texto, via celular, onde lhe contaria o que estava sentindo. Seria mais fácil para eu conseguir me expressar e a desaprovação — caso houvesse — não seria tão dura.

Pondo o travesseiro junto à parede, pude me recostar e, com o coração aberto e utilizando demasiadamente o eufemismo, teclei tudo o que tinha direito. Infelizmente, como há um limite máximo de caracteres por cada mensagem, fui obrigado a dividi-la em sete partes.

Era óbvio que eu jamais lhe enviaria os tais torpedos — o receio era grande. Porém, apenas pelo fato de deixar tudo o que eu escrevi salvo no pasta de rascunhos, já foi uma excelente maneira de desabafar. Fechando o flip do aparelho, o guardei em minha nécessaire e fui dar uma volta no parque, a fim de respirar um pouco de ar puro e organizar parte de minha mente.

Saí de casa com os fones no ouvido, pois pretendia, enquanto caminhava, ouvir os arquivos de áudio contidos no meu aparelho de última geração. E foi escutando uma música latina que me distrai por um momento. Decerto fora da realidade, atravessei a rua sem olhar para os lados. Não observei se havia algo ou alguém vindo em minha direção. Quando atentei ao grito de “cuidado!” era tarde demais: fui jogado para um lado e o celular para o outro.

Sob observação no pronto-socorro, após ter batido com a cabeça no asfalto e torcido o pulso com a queda, não acreditava que tivera eu sido atropelado por uma bicicleta.

— Está precisando de alguma coisa? — perguntou a enfermeira atenciosa.

Não tive tempo de responder. Ao atentar um objeto pretinho no bolso de seu jaleco, questionei:

— Esse celular é o meu?

— Oh, sim. Quando a ambulância chegou, ele se encontrava próximo a você, junto com sua carteira. Provavelmente, sua pochette estava aberta e seus pertences se espalharam pelo asfalto.

Meu medo agora era outro. E se ela tivesse lido o que escrevi? Com certeza me acharia a pessoa mais patética do mundo. Contaria a seus colegas, que transmitiriam a seus chefes e em poucos minutos até o médico plantonista estaria tirando sarro de mim. Isto é, se já não o estivessem.

— E por acaso a senhorita leu as mensagens salvas? — perguntei, roendo as unhas.

— Não! É claro que não...

Um alívio formigou em meu peito. No entanto, ao tirar o aparelho de seu bolso e entregá-lo em minhas mãos, ela fez com que uma aflição vigorasse em mim.

— Enviei sem ler uma única palavra — deu as costas e saiu.

Direito nenhum ela tinha de ter tomado essa atitude. Contudo, era indiferente reclamar. Àquela altura, minha bela amada já saberia de toda a verdade e, provavelmente, estivesse sentindo asco e não desejando rever minha cara, ainda que pintada de ouro.

Uma vibração fez o coração saltar acelerado. Podia-se ver no visor do telefone celular a imagem de um envelope, informando que uma mensagem havia chegado. Sabia que era a resposta. E as chances de ser uma rejeição, pelos meus cálculos, superavam os noventa e cinco por cento.

Estralando todas as minhas juntas, decidi que leria aquela mensagem no dia seguinte, assim teria tempo de obter coragem e me preparar para qualquer que fosse o recado. Todavia, incentivado pelo provérbio “nunca deixe para amanhã o que pode se fazer hoje”, respirei fundo e, com as mãos frias e trêmulas, apertei o botão de menu, fui até a caixa de entrada e li a mensagem, que desrespeitava todas as regras da matemática do amor.

“Caramba! Você se superou este ano, hein? Com essa sua paixão platônica você humilhou meu gato mutante. Puxa vida... Feliz Dia da Mentira para você também!” (enviado em: 01 de abril, às 23:04).

terça-feira, 21 de junho de 2011

Perdida na Cidade


Acampar é uma coisa que parece bastante divertida vista da televisão. As escolas que aparecem nos filmes sempre fazem esse tipo de coisa, mas, aqui no Brasil, pelo menos na minha escola, nunca vi isso acontecer.

As excursões são sempre ao shopping, ao cinema, ao zoológico ou — o que é pior — a algum museu. A minha turma, no entanto, é cheia de inovar e, para a viagem de formatura da oitava série, decidimos ir a um acampamento.

Com o dinheiro que conseguimos juntar durante o ano, foi possível pagar uma viagem para fora do Brasil: para a Colômbia! Com ajuda da professora de Geografia, escolhemos o lugar mais exótico para acampar: a Cidade Perdida.

Essa cidade foi descoberta há pouco tempo e dizem que é toda cheia de mistérios. Ela fica na margem de um rio chamado Buritaca, na Serra Nevada de Santa Marta. É uma civilização antiga, mas com uma estrutura digna de construções atuais.

Era tarde de sábado quando entramos em um avião e a ansiedade era tripla: era a primeira vez que voávamos, era a primeira vez que saíamos do país e era a primeira vez que dormiríamos em barracas, sem mordomias ou banheiros adequados.

O avião aterrissou no aeroporto da capital e pegamos um ônibus até a Cidade Perdida. Quando o caminho parecia ter acabado, continuamos andando. Adentramos uma floresta com animais estranhos que pulavam no ônibus e flores que exalavam cheiros exóticos.

Subimos uma montanha que era cortada por uma cascata. Alguns pingos entraram pelas frestas da janela e nos molharam com a fresca água colombiana. Assim que vimos o primeiro círculo de pedra, o ônibus parou.

Descemos e começamos a nos instalar. Dividimos os grupos e montamos as barracas, como escoteiros de verdade. Estávamos tendo a oportunidade de transformar em realidade tudo o que só conhecíamos pela televisão.

Já estava anoitecendo e os marshmallows estavam preparados para serem levados à fogueira quando alguém deu um grito: notaram a falta de uma de nossas colegas, justamente a garota que nem tinha dormido à noite de tão ansiosa que estava pela viagem.

Pegamos uma lanterna e fomos atrás dela. Procuramos atrás das árvores, das pedras e até debaixo das barracas — era bem possível que não a tivéssemos visto e montado tudo em cima dela. Mas não achamos ninguém.

Havia uma garota perdida na Cidade Perdida e o medo passou a tomar conta de todos. Então, fiquei corajoso: arranquei as mangas da camisa, amarrei uma faixa na cabeça e, no estilo Rambo de ser, informei que não descansaria enquanto não a encontrasse.

Antes de sair feito um aventureiro, escalando morros e mergulhando no rio, precisei voltar ao ônibus para pegar um casaco — até mesmo o Rambo sente frio de madrugada. Quando abri a porta, me deparei com minha amiga, adormecida no ônibus, dormindo o sono que não tinha dormido pela ansiedade.

Percebi que poderia ter cumprido com minha meta de encontrar a garota sem ter rasgado a camiseta. Mas, agora, já era tarde.

sábado, 11 de junho de 2011

Bernardo Bonifácio Bernardes


Bernardo Bonifácio Bernardes mais parece um trava língua que um nome, por isso todos preferem chamá-lo de BBB. Era menor de idade, mas já tinha 18. Centímetros. Por isso tantas garotas já haviam passado por sua vida, as tão conhecidas ex-BBBs, que se orgulham por esse título.

O que poucos sabem é que BBB é trissexual: mulheres, homens e animais. Ele só não é pan porque, quando tentou se engraçar com uma árvore, ela lhe deu um cascudo. Mas quem levou a pior foi a própria árvore que continuou solteira e, mesmo assim, carrega galhos na testa.

Bernardo Bonifácio Bernardes pertencia ao grupo dos Amish — primeiro mandamento: nunca responder “saúde” após alguém pronunciar o nome do grupo. Amish, para quem não sabe, é o que pensamos só existir na televisão, em seriados americanos e filmes antigos. É uma comunidade religiosa muito conservadora, na qual se proíbem até os eletrônicos. É uma tribo de índios evangélicos.

O que torna BBB tão especial não é o fato de ele ser um Amish brasileiro, sem energia elétrica, sem rede de esgoto, sem telefonia — segundo mandamento: não confundir Amish com nordestino. Sua proeza está em ser mais esperto que os outros Amish.

Quando BBB era criança, tudo esteve bem, mas um dia ele se tornou adolescente e quis entender porque é que outros jovens neuróticos invadiam a floresta ao lado de sua casa para brincarem de vampiros e lobisomens — terceiro mandamento: sempre que for brincar, os vampiros e os lobisomens têm que ser norte-americanos, pois brasileiro não pode ter poder sobrenatural.

A mãe ficou put-amish da vida por ele ter saído da bolha imaginária e adentrado a mata e, como castigo, tirou o videogame, o computador, o celular, o iPod, o trinco da porta do quarto dele. Foi o pior castigo: não poderia fazer coisas, que precisaria fazer trancado, para passar o tempo — quarto mandamento: garotos Amish ainda são garotos e têm testosterona no corpo.

Bernardo Bonifácio Bernardes esticou-se no colchão de palha, olhando para a palha do teto cor de palha. Um dia completaria 16 e tão logo isso acontecesse abandonaria sua religião. Brincaria de vampiros e lobisomens até não poder mais. Enquanto isso, não acontecia, vivia a não-vida de um animal empalhado.

Rumspringa! O décimo sexto aniversário chegou e BBB estava preparado para dar início a seu Rumspringa, a fase em que ele deveria decidir se continuaria a ser Amish ou se abandonaria a religião. Foi desnecessário o cronograma que lhe criaram para refletir. Ele saiu de casa no mesmo dia — quinto mandamento: palha em excesso agiliza difíceis decisões.

Sentindo-se perdido em um mundo que não era dele, o mundo real, precisava de um lugar para ficar. Enquanto um turbilhão de novidades tomava conta de seu cérebro, uma socialite passou com seu conversível, fazendo rum-rum e acenando para ele — sexto mandamento: boa aparência e roupas exóticas são símbolos para garoto de programa.

Saiu com a primeira garota, não tinha nada a perder a não ser a inocência. Foram ao apartamento dela. A porta automática, o elevador, os lustres de cristal... tudo era novidade para ele e isso o deixava mais excitado.

Chegando a hora, ela o arrastou até a cama, que não era de palha, e começou a tirar a roupa. O garoto fechou os olhos, tímido, sem entender o que acontecia. Ela curtiu o papel interpretado pelo michê — sétimo mandamento: socialites que não fazem sexo há algum tempo têm fetiches absurdos.

Empolgada por estar liderando a situação, a garota rasgou com os dentes a camisa costurada a mão. Ele se sentiu envergonhado, pois jamais havia se exibido para alguém — oitavo mandamento: todos os banhos, ainda que sejam em riachos, devem ser tomados com roupa.

Ele se encolhia, vergonhoso. Ela delirava, entrando no clima. Ele começava a entender o que estaria prestes a acontecer e pareceu gostar — nono mandamento: mesmo que uma pessoa nunca tenha ouvido falar em sexo, ela saberá o que é isso.

Ao descer sua calça, BBB já estava armado. Aquela foi a primeira garota a ficar com aquele calibre 18 apontado para a testa. A surpresa também estava no naturalismo: de todos os gigolôs com quem já havia saído, este era um que não se depilava e não lhe lembrava em nada um garotinho de 10 anos. Nada mesmo.

Não era judeu, não tinha sido circuncidado. Agradeceu, inconscientemente, ao povo Amish pela sensibilidade em sua glande. Possuído pelo momento, ora foi vampiro, ora foi lobisomem, pela noite inteira. Bernardo Bonifácio Bernardes, a partir de então, passou viver seu lado humano.

Décimo mandamento: um garoto de programa ex-Amish, com talento de sobra, faz carreira antes de chegar à maioridade.

sábado, 4 de junho de 2011

A Flauta de Medellín


Ninguém sabe muita coisa sobre minha origem. Uns dizem que vim do fêmur de um urso, enquanto outros defendem que vim da asa de um abutre. A única coisa certa é que meu passado é osso. Isso, no entanto, não afeta meu presente de forma negativa, mas me faz querer viver histórias cheias de adrenalina. Sou a peça redonda e furadinha que chamam de flauta.

Diferente dos meus ascendentes, eu vim do cascalho de um eucalipto e fui modelada na Colômbia, em uma cidade chamada Medellín, que é famosa pela beleza natural e, infelizmente, pelo alto número de mortes. Mas, cá entre nós, isso só aconteceu por causa da centena de ratos que ajudei a matar.

Era primavera. As flores floresciam na floricultura e, se houvesse arvoricultura, as árvores arvoresceriam nela. A rotina era comum na estação: abelha voa até o pólen, fica presa na teia de aranha e assim a cadeia alimentar dá início. O problema foi que as abelhas estavam se proliferando rapidamente e, quando foram investigar, perceberam que as aranhas haviam sumido. Investigando o sumiço das aranhas, perceberam que elas estavam sendo devoradas por ratos.

Ratos grandes e gordos. Ratazanas colombianas que devoravam tudo o que havia pelo caminho, inclusive as flores que floresciam na floricultura — a florista já estava com os nervos à flor da pele.

Em poucos dias, a cidade estava com mais ratos do que pessoas. Os ratos fizeram sua própria civilização, atuaram em telenovelas do horário nobre, montaram um foguete para ir à Lua e assumiram até o lugar da fada-do-dente. Quando criaram a humaneira, uma ratoeira para humanos, o prefeito entrou em desespero e ofereceu uma grande quantia em dinheiro para quem conseguisse levar os ratos embora.

Um homem chamado Flautista soube da proposta e correu até uma loja, onde me comprou. (Os ratos já haviam tentado me roer, mas minha madeira é dura até para castor.) Então, à noite, quando todo mundo estava em suas casas e os ratos desfilavam carnaval nas ruas, o Flautista me tocou.

Os lábios dele na minha ponta e o sopro dele dentro de mim fizeram com que saísse uma música diferente: em vez de som, ela tinha cheiro! Uma música com cheiro de queijo fez com que a balada dos ratos parasse e todos ficassem hipnotizados, sendo conduzidos pelo cheiro da música.

O Flautista levou todos os ratos até um lago enorme e os encantou para que pulassem na água. Como os ratos não sabiam prender a respiração, todos acabaram morrendo afogados. Mas, no dia seguinte, quando o Flautista foi falar com o prefeito, ele agiu como um ratão e se recusou a pagar, porque disse que não viu os ratos mortos, que o Flautista era um mentiroso.

Aquilo me ofendeu profundamente. Se ele desacreditava do trabalho do Flautista, automaticamente, não confiava no meu trabalho. Dessa forma, eu, que sempre fui doce, me senti transversal. Por isso, ajudei o Flautista a tramar sua vingança.

No domingo de manhã, enquanto os adultos estavam na igreja, as crianças faziam a maior folia nas ruas, como filhotinhos de ratos perdidos. Então, o Flautista me tocou.

A ponta da boca dele no meu lábio e a troca de ar entre nós dois fez com que outro cheiro musical fosse produzido: aroma de torta de framboesa com chantili. As crianças seguiram o cheiro e foram levadas até uma caverna.

O Flautista prendeu todos lá, com rochas pesadíssimas que não eram possíveis de serem movidas pelas crianças, e deixou os pais desesperados. O prefeito recebeu muitos apelos desesperados e não sabia mais o que fazer. Foi quando anunciou que pagaria o dobro da quantia prometida pela desratização para quem trouxesse as crianças de volta.

Mais uma vez, eu me fiz útil e fui tocada para fazer as crianças voltarem para a cidade. Toda a população presenciou o Flautista trazendo as crianças e era testemunha de sua bondade. Por isso, o prefeito foi obrigado a pagar o que havia prometido. Fiquei tocada com a situação.