sábado, 27 de agosto de 2011

Galinha de Angola

Baseado em uma lenda africana


Na Angola, muitos séculos atrás, nasceu uma galinha toda preta e sem crista. Seu nome era Kererê. Todas as outras galinhas tiravam o maior sarro da coitada e não deixavam que ela comesse as mesmas minhocas. Por isso, ela foi ficando fraquinha e resolveu fugir. Quando avistou um riacho, sentou-se e bebericou um pouco da água, lamentando.

— Tô fraco, tô fraco, tô fraco...

A rainha do riacho, ouvindo seu lamento, resolveu aparecer para ver o que acontecia.

— Por que é que você está tão triste?

— Eu sou uma, eu sou uma galinha / E me chamo, e me chamo Kererê / Eu fugi, eu fugi do meu bando / Pois sou feia, sou feia de morrer.

Kererê lhe contou tudo o que havia acontecido, de como as outras galinhas foram más com ela. A rainha do riacho ficou com dó da pobre galinha e deu-lhe os seus brincos.

— Tome! Use estes brincos vermelhos que tenho certeza que todos vão reparar em você e começarão a respeitá-la.

Kererê colocou os brincos e voltou toda contente para a cidade onde as galinhas viviam. Mas elas continuaram sendo más, diziam que o brinco era bonito demais para uma ave tão feia. Por isso, Kererê fugiu de novo, mais triste e mais fraca do que a primeira vez.

— Tô fraco, tô fraco, tô fraco...

A rainha do riacho resolveu ajudar mais uma vez e lhe deu seu casaco preto de bolinhas brancas.

— Tome! Vista esse casaco de bolinhas brancas que tenho certeza que todos vão sentir até inveja de você.

Kererê colocou o casaco e voltou ainda mais feliz para a cidade das galinhas. Só que, chegando lá, as galinhas a trataram mal mais uma vez, disseram que a feiura dela estava estragando a beleza da vestimenta. Por isso, Kererê fugiu outra vez, ainda mais deprimida e com fome.

— Tô fraco, tô fraco, tô fraco...

A rainha do riacho, mais uma vez, quis ajudar a galinha, mas não tinha mais brincos ou casacos para lhe dar de presente. Então, ela tirou sua coroa.

— Tome! Agora, esta coroa é sua. Coloque no lugar da sua crista e garanto que as outras galinhas vão lamentar por não terem uma igual.

Assim, a rainha do riacho mergulhou para bem fundo, e Kererê voltou para sua cidade. Quando as galinhas a viram, a trataram como uma verdadeira rainha, lhe deram as minhocas mais gordas, os grãos de milho mais macios. Kererê ficou muito alegre e voltou ao riacho para agradecer a rainha. Como já era de costume, ela repetiu as palavras que sempre repetia para que ela aparecesse.

— Tô fraco, tô fraco, tô fraco...

A rainha do riacho não veio, e ela continuou.

— Tô fraco, tô fraco, tô fraco...

Mas a rainha do riacho não podia mais aparecer. Quando ela entregou a coroa à Kererê, perdeu seus poderes de rainha e desapareceu no meio das águas. Mas Kererê não sabia disso e, até hoje, repete suas palavras, na esperança de poder agradecer àquela bondosa mulher responsável por sua beleza.

sábado, 13 de agosto de 2011

Tia Pereira

Baseado em uma lenda espanhola


Num povoado distante, mora uma senhora que cultiva peras. Ela é conhecida como Tia Pereira. Não há certeza sobre sua verdadeira idade, mas suspeita-se que ela deve ter uns duzentos ou trezentos anos.

Ela sempre morou sozinha. Não tinha dinheiro, nem família, não tinha nada na sua vida a não ser uma grande árvore de peras. E ela ficava muito irritada quando os jovens do povoado subiam na sua árvore para roubar suas peras.

Até que, um dia, uma menina perdida bateu em sua porta e lhe pediu algo para comer. Pegando a última pera que havia na árvore, Tia Pereira lhe deu.

Depois de comer a fruta e matar sua fome, a menina quis retribuir a generosidade da mulher e revelou:

— A verdade é que sou uma fada. E por você ter sido boazinha comigo, realizarei quaisquer desejos que você tenha.

Mas Tia Pereira só tinha um desejo: que quem subisse na pereira não pudesse descer sem sua permissão.

A menina-fada disse que o desejo seria realizado e, agradecendo pela pera, foi embora. Na primavera seguinte, quando as peras haviam aparecido novamente na árvore, os meninos foram apanhá-las, como sempre. Mas mal subiram e perceberam que não podiam descer. Eles ficaram desesperados, mas Tia Pereira resolveu lhes dar uma chance.

Permitirei que desçam, mas quero que antes me prometam que nunca mais subirão na minha árvore e não roubarão mais as minhas peras.

Os meninos, como haviam prometido, nunca mais voltaram. Só que, algumas primaveras depois, outra pessoa perdida bateu à porta de Tia Pereira, mas desta vez...

— Sou a Morte e vim levá-la.

Tia Pereira arrepiou de medo. Mas teve uma ideia.

— Está certo! Eu aceito ir com você. Mas, antes, lhe peço um último desejo. Por favor, me deixe desfrutar de uma das minhas peras pela última vez.

A Morte chacoalhou a cabeça, pensou um pouco, resmungou, mas deixou que ela realizasse seu último desejo. Tia Pereira, então, fez mais um pedido.

— Por favor, suba nesta árvore e pegue uma pera para mim, porque já estou muito velha e não consigo subir sozinha.

A Morte subiu na pereira e colheu uma pera. Mas, quando foi descer, percebeu que a árvore estava enfeitiçada.

Assim, passaram alguns anos sem que ninguém morresse no povoado. No começo, tudo ia bem, só que, depois de um tempo, a coisa ficou sem graça. Médicos, padres e coveiros reclamavam porque não podiam praticar sua profissão. Também tinha muita gente velha que já tinha se cansado de sua vida e queria morrer.

Tia Pereira, então, teve compaixão e fez um acordo: permitiria que a Morte descesse, desde que esta a deixasse viver para sempre.

Por isso, Tia Pereira está viva hoje e continuará viva eternamente.

sábado, 6 de agosto de 2011

O Gigante e o Anão

Baseado em uma lenda espanhola


Em uma choupana entre as árvores, vivia um casal de gigantes. Certa vez, apareceu um anão muito necessitado, ninguém queria lhe dar emprego. Então, ele bateu na porta do gigante oferecendo seus serviços.

— Oh, estimado gigante. Há dias, não como nem durmo como deveria. Não tenho dinheiro nem trabalho. Peço, por favor, que me dê um emprego. Faço tudo o que você quiser: lavo, passo, limpo, caço...

— Tudo bem! Vou contratar os seus serviços, mas com uma condição: você terá que fazer as mesmas coisas que eu. Se as fizer, ficará rico. Mas, se não as fizer... será morto!

Na manhã seguinte, os dois foram roubar lenha em uma fazenda cujo dono era muito violento. O gigante começou a trabalhar, pondo em seus ombros um grande feixe de lenha. O anão, entretanto, só estirou uma comprida corda no chão.

— Que é que você está fazendo?

— Esse feixe que você está levando não é nada.

— Não? Pois eu quero ver você carregar um igual.

— Farei muito melhor. Enquanto eu não colocar na corda toda a madeira que há neste bosque, não sairei daqui.

— Você está louco? Se fizer isso, o dono pode nos ver e nos matar.

— Pouco me importa. Já tomei minha decisão: ou levo o bosque inteiro, ou não levo nada.

— Está bem. Você ganhou. Não leve nada. Mas vamos sair daqui agora.

Mais tarde, eles decidiram pegar água. Enquanto o gigante saiu de sua casa com muitos baldes, o anão levou uma picareta e uma pá.

— Por que você precisa dessas ferramentas?

— É que eu não vejo graça em carregar baldes. Minha intenção é desviar toda a água para a sua casa. Assim, você poderá viver tranquilamente.

— Está doido? Se o povo descobre isso, nos mata.

— Pouco me importa: ou levo toda a água para a sua casa, ou não levo nada.

— Chega de escavar. Você ganhou esta também. Agora, vamos voltar para casa.

Na manhã seguinte, o gigante deu ao anão um burro com dois sacos de dinheiro e lhe mandou embora. Assim que o anão se foi, a esposa do gigante lhe chamou atenção.

— Estúpido! Você não percebeu que aquele anão trapaceou o tempo todo? E ainda saiu com seu burro e todo seu dinheiro.

O gigante ficou furioso e foi atrás do anão. Assim que o pequenino percebeu que o grandalhão se aproximava, escondeu o burro atrás de um arbusto e deitou na grama, olhando para o céu, como se procurasse algo.

— Que é que você está vendo?

— Nada. É que aquele burro não aguentou tanto peso e começou a empacar. Então eu lhe dei um pontapé tão forte que ele foi para o alto e ainda não voltou. Só estou esperando ele chegar ao solo para lhe dar outro chute. E com esse, garanto que ele nunca mais voltará.

O gigante começou a correr e voltou à sua casa, de onde nunca mais saiu.