sábado, 24 de setembro de 2011

Como reconhecer um judeu



— Guten Tag! Bom dia, aprendizes! Começa agora nossa primeira aula sobre como caçar judeus na Tessalônica. Como vocês sabem, estamos em território estrangeiro e, aqui na Grécia, os judeus recorrem até aos deuses do Olimpo para se livrarem dos campos de concentração. Temos que ser “mais esperto do que a gente já somos”. Precisamos ganhar medalha de ouro nessa Olimpíada, ainda que isso signifique protagonizar uma tragédia grega. E para nos ajudar nos exemplos, nada melhor do que um judeu de verdade. Que entre o judeu!

— Bom dia!

— Guten Tag!

— Saúde.

— Was?

— Seis!

— Stopp!

— A, B, C, D, E... Hum, letrinha complicada para brincar de stop.

— Nein!

— Esses loiros...

— Aprendizes, a primeira coisa a se fazer quando se encontrar com um judeu é confirmar se ele é realmente um judeu.

— Exato: confirmar.

— “E como faço isso?”, vocês devem estar pensando...

— É... Como faço isso?

— Todo judeu já passou por uma circuncisão, portanto, vocês devem mandá-lo baixar as calças. Judeu, abaixe as calças!

— Tô falando! Esses loiros...

— Estão vendo?! É judeu! Agora, vocês devem estar pensando: “Mas e se ele disser que operou da fimose?”

— É... E se eu disser que operei da fimose?

— É só chegar mais perto! É fácil de reconhecer pela cicatriz.

— Esses loiros... Sei não.

— Rá! É judeu! Mas vocês podem pensar: “E como reconhecer, se for uma mulher?”

— É... Como reconhecer, se for uma mulher?

— É só pedir para que o marido dela abaixe as calças. Se o marido for judeu, ela certamente é judia.

— Xi, envolve até o marido! Esses loiros...

— Mas, porém, entretanto, contudo, no entanto, todavia... A mulher pode ser solteira. Aí eu pergunto: como identificar?

— É... Como ident... Epa, peraí! A mulher tá solteira, dando sopa, e você vai se preocupar se ela é judia ou não? Esses loiros...

— Okay, okay!

— “Eu aumento, mas não invento!”

— Was?

— Se(is)... Tá, dessa vez, eu passo.

— Nein!

— Esses loiros...

— Agora que vocês já sabem como reconhecer um judeu, só resta levá-lo até o campo de concentração.

— Ah, vai ter partida de futebol? Nazistas versus judeus?

— Nein!

— Então é concentração tipo ioga?

— Nein!

— Ah, é concentração de substâncias química, né?

— Por acaso, eu estou falando grego?

— Deveria. Você está na Tessalônica.

— Ah, já basta! Genug! A aula acabou aqui.

— Ei, peraí... Quero mostrar para você que estou aprendendo alemão. Posso falar uma frase?

— Ande, diga!

— Ich liebe dich!

— Quê? “Eu amo você”? Ai, ai! Esses judeus...

sábado, 17 de setembro de 2011

A Mina Taurus



— Bom dia! Posso entrar?

— Claro! Todos aqui são muito bem vindos.

— Então...

— Em que posso ajudar?

— Nada, não. Acho melhor eu ir.

— Tudo bem. Vá.

— Esse não é o momento em que você me diz: “Imagine, garota. Se você veio até aqui, é porque precisa de alguma ajuda. E estou aqui para isso. Volte, sente-se e se abra comigo. Garanto que lhe fará bem.”?

— Não. Sou apenas atendente de uma agência de encontros. Não tenho diploma de psicologia.

— Está bem, eu volto. Sei que você quer isso.

— Nome?

— Melina.

— Idade?

— 23.

— Signo?

— Touro.

— O que procura?

— Nada, não. Acho melhor eu ir.

— Tudo bem. Vá.

— Você não pode ser mais compassiva, não?

— Meu trabalho é preencher uma ficha com seus dados e encontrar uma pessoa com gostos semelhantes. Não preciso ser compassiva.

— Ai...

— O que procura?

— A saída.

— Que saída?

— Do labirinto.

— Seja mais específica.

— Do labirinto do amor! Estou presa nele há um bom tempo, como se tivesse sido enfeitiçada. E espanto todos que têm coragem de vir até mim.

— Por que isso acontece?

— Meio que o egoísmo, o apego e a avareza prosperam nesses momentos. Dizem que é coisa do signo. Daí meu apelido: Mina Taurus.

— Tudo bem, mas, afinal, o que você procura?

— Acho que alguém que me compreenda, porque meu último namorado estava indo bem, até que fez uma curva sem caída. Ele comprou o melhor presente de Dia dos Namorados que alguém é capaz de inventar, reservou o melhor restaurante, o melhor motel... Mas, quando eu lhe disse que meu presente para ela era minha presença, íntima e gratuita, ele decidiu terminar. Disse que sou avarenta. Só que, como eu disse, a culpa é do signo de Touro.

— Bom...

— Ah, e teve meu namorado anterior a esse, que errou o caminho no meio do labirinto. Quando começamos a namorar, ele prometeu ser fiel e estar ao meu lado em todos os momentos da minha vida. Eu levei isso um pouco a sério, então, quando ele não podia estar perto de mim, eu ia pra perto dele. Fazia questão de estar na cabeceira da sua cama sempre que ele acordava e de aparecer atrás do balcão, sempre que ele saía para beber. Depois de um jogo de futebol dele, quando eu entrei no vestiário para ficar do lado dele, ele quis terminar. Disse que sou muito apegada. Porém, não é minha culpa; é do signo de Touro.

— Sabe...

— Não posso me esquecer do meu primeiro namorado! Esse conseguiu sair pelo mesmo lugar que entrou. Caiu fora logo que achou que já tínhamos intimidade e quis me levar para a cama. Mas, da mesma forma que não compartilho celular, notebook, nem brilho labial, não ia oferecer meu corpo a ele. Estava feliz com minha genitália sendo tocada apenas por mim. Não queria compartilhá-la. Então, ele me chamou de egoísta e desistiu de mim. Mais uma vez, culpa do signo de Touro!

— Hum...

— E então, o que me diz?

— Tenho a pessoa ideal para você.

— Sério? Ele é loiro, alto, atlético?

— O nome dele é Homero e tem 62 anos. Este é o endereço. É o melhor psiquiatra que eu conheço. Só ele é capaz de matar o seu minotauro.

sábado, 3 de setembro de 2011

A Morte do Pavão


Um pavão velho com somente quatro penas estava sentado no meio de uma campina quando um urubu apareceu para rodeá-lo. O pavão olhou o urubu com desprezo.

— Posso saber o que é que você quer sobrevoando aqui?

— Tô com a maior larica, tiozinho. E como senti cheiro de carne podre a caminho, vim dar uma olhada.

— Pois eu não vejo ninguém à beira da morte, por perto.

— Essa sua força de vontade, eu admiro.

— Desculpe, mas não sei do que é que você está falando.

— Qual é, pavelho? Veja só pra você: só tem quatro penas. Sua carne já está com passaporte comprado pra minha pança.

— Se for depender da minha morte para conseguir alimento, esteja certo de que é você quem morrerá... de fome.

Então, uma das penas do pavão se soltou.

— Rá! Foi só falar, acabou de perder uma pena. Mais três, e cê vai pro beleléu.

— Não perdi nada. Esta pena, só tirei de mim para anotar as besteiras que você fala.

O pavão pegou a pena e rabiscou na terra. Enquanto isso, outra pena se soltou.

— Rá! Outra pena. Vai dizer que também tirou ela porque quis ou vai logo assumir que tá uma ave gagá?

— Gagás devem ser suas ideias. É óbvio que esta pena eu tirei porque preciso fazer um miniespanador. Não vê como este chão está cheio de poeira?

O pavão pegou a segunda pena e limpou um pedacinho do chão. Enquanto isso, a terceira pena se soltou.

— Xi... Seu papo furado não tá adiantando nada. Outra pena acabou de cair.

— Pois esta é para ver se diminuo seu baixo astral, lhe fazendo cosquinha.

O pavão tentou, sem muito sucesso, alcançar o urubu para lhe fazer cócegas com a pena. Nisso, a última pena se soltou.

— Agora, com a queda da sua última pena, cê aceita que tá morrendo?

— Que nada! Deste jeito, depenado, estou como uma ave que acabou de sair do ovo. Na certa, estou renascendo.

O pavão se levantou devagar e, a passos caquéticos, foi para bem longe do urubu.