sábado, 4 de fevereiro de 2012

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Sempre tive as ideias mais espontâneas, dessas que surgem do nada e acenam da janela do quarto ou batem na porta do boxe, enquanto estou tomando banho. O problema é que elas estavam muito malandras e não me deixavam fixá-las no papel; não queriam ser convertidas em palavras. Eu pegava pelo rabo, torcia, mas as espoletas davam um jeitinho de fugir. Então, tive minha primeira depressão literária.

Estava sentado na cama, com o notebook no colo e as ideias esparramadas em volta. Fiquei assim por mais de duas horas, sem conseguir organizá-las. Quando pensei em desistir e chorar sobre a criatividade derramada, uma criatura verde e pequena subiu no colchão e ficou sobre meus pés. Tentei descobrir se aquilo era um duende, um alienígena ou simplesmente uma miragem; mas ele logo se apresentou.

— Sou o Rumpelstiltskin e vim para ajudar.

Conhecia o Rumpelstiltskin dos contos de fadas que ouvia quando era criança, portanto sabia que, quando ele se oferecia para ajudar os outros, era certo de que tinha segundas intenções. Mesmo assim, conversei com ele e escutei sua proposta: ele enfileiraria as ideias para que eu pudesse escrever um poema e, em troca, ele só exigia um pouco de sorvete de uva. Achei justo e, dessa forma, nasceu um poema de versos perfeitos.

No dia seguinte, eu me encontrei na mesma situação: as ideias corriam e pulavam sobre mim, mas não paravam para que eu pudesse encaixá-las. Então, o Rumpelstiltskin apareceu novamente com um novo acordo: amarraria as ideias para que eu escrevesse um conto e, como agradecimento, eu lhe daria minha caneta mais cara. Como não achei nada extravagante, aceitei a proposta e, assim, surgiu um conto de parágrafos maravilhosamente alinhados.

Mais um dia se passou, e minha aflição tornou-se a se repetir. As ideias subiam pelas paredes, se escondiam debaixo da cama, e eu não conseguia juntá-las. Não demorou muito, e o Rumpelstiltskin mostrou-se presente outra vez. Fiquei muito feliz com a aparição do minúsculo homem e ouvi atentamente a atual oferta: ele me concederia capacidade ilimitada para domar as ideias da forma como bem entendesse e não me pediria nenhum outro bem material por isso; ao contrário, devolveria o que pegou.

A proposta era irrecusável: eu teria tudo que sempre sonhei; enfim seria dono das minhas próprias ideias. Sem titubear, disse que sim, que fizesse seu feitiço para que eu escrevesse quando e quanto bem entendesse. O Rumpelstiltskin bateu o pé com força no chão e, nesse passo de mágica, me senti líder das ideias. Passei a produzir poemas, contos, crônicas, ensaios, romances e até roteiros de teatro. Quando tudo parecia perfeito, ele falou:

— Bem, como combinado, aqui estão suas coisas de volta. Prometi ainda que não pediria nada material e o cumpro. Ainda assim, quero algo de você: sua criatividade.

Fiquei assustado e comecei a tremer. De nada adiantaria eu saber organizar as ideias, se não possuísse inspiração para tê-las. Depois de muito pensar, resolvi ceder em partes; disse que deixaria, com todo prazer, que ele sugasse minha criatividade, mas com uma condição: escreveria um conto sobre esse momento e, se ele acertasse o título que lhe daria, minha criatividade seria toda dele.

Ele aceitou. E enquanto ele se decide eternamente se o título deste conto é um palavrão, uma senha bancária ou apenas uma indicação de texto cinco estrelas, fico a inventar novas histórias, escrevendo com minha caneta de ouro e me deliciando com um pote de sorvete de uva.