sábado, 26 de maio de 2012

02:54


3º lugar nos Jogos Florais "Os Bonjoanenses"


O garoto acompanhava visualmente o tique-taque, esperando os poucos minutos para que o relógio esticasse seu braço comprido o mais alto que pudesse. Nada tinha para fazer às três da manhã, a não ser calcular o ângulo de noventa graus que se formaria; a hipotenusa horária seria suficiente para distraí-lo da insônia de quarta-feira. Sabia que já era quinta, mas, como o sol ainda não havia aparecido para oficializar, prolongava, ele mesmo, o dia anterior.

Pensou que o chá de hortelã com leite o ajudaria a dormir, mas o morno ainda estava quente e ficou com a língua queimada. Apelou à sua outra língua, a portuguesa, e abriu um livro de Saramago, mas não entendeu nenhuma vírgula do primeiro capítulo; como se o texto tivesse vírgulas e fosse dividido em capítulos. Portanto, apagou a luz, voltou a deitar-se e, em vez de fechar os olhos, os mantinha na direção do despertador.

Logo que amanhecesse, o alarme dispararia. Não que o garoto trabalhasse, precisasse ir ao colégio de manhã ou tivesse algum outro exercício que o forçasse a acordar cedo; apenas gostava do hábito de acordar com o toque irritante para ter o prazer de desligá-lo e voltar a dormir. Nunca contou para ninguém da mania, nem do motivo dela, mas a terra dos sonhos ficava mais divertida na segunda ida.

O pior era quando a bexiga coincidia e reclamava ao ouvir a campainha. Provavelmente, ela pensasse que estaria na hora de levantar e, por isso, pedia para ser urgentemente esvaziada. Tantas foram as vezes em que o garoto pensou em fazer ali mesmo e, dane-se, depois lavava o lençol. Mas isso era outro triângulo: o barulho avisava o organismo que alertava o cérebro, e este bloqueava qualquer ato grosseiro.

Era obrigado a ir ao banheiro, mal-humorado, e se deparar com o mau-humor da privada, que logicamente estaria de tampa fechada. Irritava-se por não ter um mictório em casa: tira, jorra, sacode e guarda, não levanta tampa, não dá descarga, não molha assento. Pensou diversas vezes que a pia seria uma ótima substituta, mas o cérebro, educadamente alienado na infância, também rejeitava isso.

O jeito seria apelar para o ralinho do chuveiro. Inclusive, mataria com acidez corporal as baratas que quisessem subir por ali. O cérebro já estaria cansado de tantos impedimentos e nem se intrometeria mais. Os respingos no pé nem contariam. Xxxxxxxx — era tão bom ter seu próprio banheiro. E se, no futuro, namorasse alguém que tivesse fetiche de chuva-dourada, seria mais gostoso.

Assim, a imaginação, que não passava de ficção, fantasiava a realidade e lhe deixava alegre debaixo do edredom.  As mãos, cumprindo a função de melhores amigas de um rapaz solteiro, formaram, dentro da cueca boxer, o terceiro triângulo da história. Nelas, o garoto depositou o protótipo de um filho que deixou de nascer.

Mas ainda eram duas e cinquenta e quatro, sem alarme para desligar, sem necessidade de dar uma urinada, sem sexo exótico real... Tinha somente a insônia e os ponteiros para lhe distraírem. Ficou olhando mais um pouco e, como se houvesse sido hipnotizado pelo movimento circular das horas, dormiu. A baba no travesseiro era a representação líquida dos sonhos incomuns de um adolescente ainda virgem.

sábado, 19 de maio de 2012

Atitude e Verbalização



Seja!
Valorize o próprio couro,
coroando sua testa com o ouro
dum alquimista a defecar.

Aja!
Infeste minha cabeça com seu piolho,
jogue acetona no meu olho
e me obrigue a te amar.

sábado, 12 de maio de 2012

Alakazam!



Será que toda criança fica encantada com magia e superpoderes, ou eu fui um caso excepcional? É complicado generalizar, mas acredito não ter sido o único, na infância, a sonhar com um mundo mágico onde eu pudesse voar, levantar edifícios, correr na velocidade da luz e saber que bastaria apontar um dedo e todas as vontades se realizariam.

Os desenhos foram os principais responsáveis por essa ilusão de viver em um mundo maravilhoso. Vi tantos heróis salvando o planeta, fadas ajudando as pessoas, feiticeiros aprontando o máximo, e eu pensava: “Também quero.” Queria conhecer, só por um instante, a emoção de me sentir como a pessoa mais importante do mundo, a mais poderosa, a mais bem querida.

Sempre sonhei em encontrar uma lâmpada mágica enterrada na areia da praia, para que eu pudesse esfregar e fazer três desejos. Não desejaria ser milionário, nem me tornar imortal. Meus pedidos seriam: ter asas que me fizessem flutuar pela imensidão do universo; ter força para arrastar montanhas; e ter poderes de bruxa para que eu melhorasse tudo que fosse indesejado.

Os anos passaram, a ingenuidade infantil ficou para trás e a maturidade me faz refletir sobre esses curiosos aspectos da juventude. Pensando nisso, percebi o que não havia notado nos tempos de criança: todos os meus sonhos impossíveis se tornaram realidade em algum momento.

Lembrei-me das histórias que minha mãe contava antes de dormir e que, embora não me fizessem levitar fisicamente, tornavam-me mais leve e capaz de alcançar as estrelas. Lembrei-me também dos milhares de obstáculos que me deixaram fracos a ponto de pensar que jamais os atravessaria, até que minha mãe me fortalecesse com palavras de incentivo. Por fim, percebi que, quando tudo parecia dar errado, era o colo da minha mãe que me confortava e me dava poder para modificar qualquer situação.

Ainda hoje, tenho esse sonho maluco de encontrar uma lâmpada mágica. Se eu me esbarrasse com uma, e o gênio me concedesse os três desejos de lei, o primeiro seria pedir que minha mãe fosse eterna.  Os outros dois, eu dispensaria. Com a minha mãe do lado, qualquer coisa torna-se possível.

Mãe, obrigado por me fazer sentir a pessoa mais importante do mundo, a mais poderosa, a mais bem querida.

Feliz Dia das Mães!

sábado, 5 de maio de 2012

Tempestade



Como um coco que não comeram,
Que continua pendurado no coqueiro,
Conto do homem com seu cajado.

O homem vive nesta isolada ilha
E tem pensamentos regressivos,
Embora seu nome seja Próspero.

Protege sua única filha
De todos os piores inimigos,
Que existem apenas no seu cérebro.

Nesses momentos de raiva, inspira,
Conversa com espíritos que só ele mira
E dança entre as ninfas do mar.

Acredita ser o todo poderoso!
Dá mais um trago bem guloso
E o estrago mental o faz viajar.

Como um coco ainda fechado
Observo que esta ilha deserta
Chama-se crackolândia, na certa.