sábado, 30 de junho de 2012

Boesia


3º lugar no Concurso "100 palavras para deixar sem palavras"


— Insônia?

— Você também?

— Não. Busco inspiração. As estrelas tocam-me a alma.

— Inspiração? Para quê?

— Sou uma vaca poetisa.

— Seu mugido é rimado?

— Não. Minha poesia é marginal, estilo livre.

— Por que escolheu isso?

— Nasci assim. Diferente.

— Você acha que escolhi ser de curral e com três filhotes?

— Se não lhe agradasse a procriação, não a faria. É a lei do existencialismo.

— O dono me obriga a reproduzir. Ele não conhece essa lei.

— A mim ele também obriga, mas não obedeço; poetizo.

— Não sei como contrariá-lo.

— Busque inspiração. Agora, preciso escrever.

— As estrelas tocaram-lhe a alma?

— Não. É insônia mesmo.

sábado, 16 de junho de 2012

filosofia


Classificado no 12º Concurso de Poesia da UFSJ


o meu pensamento
é grande

maior
que uma canção
que um elefante
que um estádio de futebol

o meu pensamento
é comprido

mais que
uma régua de confecção
uma ponte flutuante
o rastro de um caracol

o meu pensamento
é longínquo

mais que
o Azerbaijão
tudo que veio antes
a superfície do pôr do sol

o meu pensamento
é mais

mais grande que comprido
mais comprido que longínquo
mais longínquo que grande

porque quando penso
tenho meu próprio universo

e penso
que as pessoas também pensam
são mais de 7 bilhões
criando seus próprios versos

então o pensamento
é grande, comprido e longínquo
7 bilhões de vezes mais

mas também penso
que é assim com os animais
e há muito mais bicho que gente

e se o direito de pensar
também é dos animais
também é dos outros seres
fungos, parasitas, bactérias, vírus
bonsais, capins, maçãs, lírios

e se penso em todos esses pensamentos
esses pensamentos fazem parte do meu pensamento
e pensando sobre isso
meu pensamento é meu próprio pensamento sobre pensamentos

assim meu pensamento
é o maior, o mais comprido e o mais longínquo

só não é maior, mais comprido e mais longínquo
do que o pensamento daquele que me lê
porque este é tudo isso
e mais um

sábado, 9 de junho de 2012

Aproveita, Julieta!



Os olhos lacrimejam, mesmo opacos:
Excesso de tesão a ser drenado!
Julieta, aproveita urgentemente
Que Romeu te ama e não é teu parente!

Há, por trás do romantismo insistente,
Quatro arrobas de carne adolescente.
Nem lhe cresceram pelos no sovaco,
Porém, já carrega hormônios no saco.

Aproveita, Julieta! Aproveita
Enquanto Romeu inda nem é homem,
Enquanto tem um tanque no abdômen.

Aproveita, Julieta! Aproveita,
Pois tudo que é novo, um dia, envelhece,
Pois tudo que é duro, uma hora, amolece.

sábado, 2 de junho de 2012

Barra Fixa


Petrix Barbosa subiu na barra para tentar o ouro, nas disputas individuais de ginástica artística. A regata amarela deixava à mostra os braços, verdadeiras granadas em atividade, e as axilas bem cuidadas. A calça azul, justa, revelava outra arma fatal, que tinha entre as coxas musculosas. Como se precisasse de mais, era lindo de sorriso e cabelo, simpático dos olhos e tinha os pés grandes.

O garoto que o assistia em casa tinha a mesma idade e também vestia uma camiseta do Brasil, mas era magro e tinha as axilas peludas. A calça servia apenas para esconder as pernas finas. O sorriso cheio de gengiva, o cabelo desobediente e os olhos cansados ajudavam na contradição. Pelo menos, o pé e o pau eram qualidades — e isso não precisava querer igual. Outra semelhança era a paixão pelo mesmo esporte.

O garoto em casa, no entanto, nunca manifestou seu gosto na prática. Era um indivíduo que preferia a leitura aos exercícios físicos. Mas acompanhava Pan, Olimpíadas e Mundiais pela televisão, compartilhando a expectativa, como se estivesse na pele do ginasta, torcendo para que não houvesse desequilíbrios.

Sempre que estava envolvido com isso, pensava entre parênteses por que nunca se interessou em procurar um salão de treinamento de ginástica artística. Levantava diversas hipóteses: preguiça de se deslocar de bairro; falta de afinidade com a educação física; vergonha de ter que se exibir em competições; provável preconceito que enfrentaria com relação ao esporte. Mas não listava o medo.

Sabia, e por isso escondia, que o medo era o motivo principal por não ter se aventurado na ginástica. Tinha medo de se machucar, medo de ficar dolorido, medo de quebrar um cotovelo, medo de explorar os aparelhos, medo de sentir medo de alguma outra coisa. Por isso, deixou de viver o desejo de infância e o transferiu para os atletas que passou a admirar. Vivia por intermédio dos outros.

Na vida social, também era assim: imaginava-se namorando ao ter um amigo que namorasse; imaginava que saía à noite quando um colega ia para a balada; imaginava pular de bungee jump se um conhecido o fizesse. Dentro de seu quarto, evitava fortes emoções e se contentava com as histórias que lhe contavam. Esse tipo de sensação lhe era o bastante.

A ficção era um círculo vicioso.

Nisso, a ficha caiu, e o garoto percebeu que precisava deixar de se fazer iludido. Assim, respirou fundo e, no mesmo momento em que o ginasta na televisão soltou-se da barra para realizar uma acrobacia aérea, o garoto em casa decidiu que se livraria da sua própria barreira. Perdeu por um instante a concentração na apresentação. Quando viu, na hora de segurar a barra de volta, a mão de Petrix deslizou e ele caiu de bunda no chão.

A bunda!, o garoto em casa pensou. Era mais um coisa para invejar.