sábado, 30 de março de 2013

Eliana



Houve um momento, na entrevista coletiva de emprego, em que a psicóloga nos perguntou: “Quem você considera um herói?” Nesse momento, começaram os clichês: “Meu pai, que foi cangaceiro!”, “Minha avó, que levava água até o sertão!”, “Dom Pedro I, que nos tornou independentes!”, “O dono desta empresa, que é um homem sério, culto e responsável!”, etc. Quando chegou minha vez, disparei: “Minha heroína é a Eliana!” e recebi os olhares mais assustadores possíveis, como se eu cometesse um crime inafiançável por venerar uma apresentadora de televisão.

Não posso discordar de que meus pais foram verdadeiros guerreiros por terem me colocado no mundo e suportado tanto sufoco comigo; que minha avó foi uma batalhadora por cuidar de um bebê chorão que só sabia pedir suco de banana-maçã; que o dono da empresa foi um notável conquistador, pois conseguiu transformar uma lojinha do interior em um grande império empresarial... Porém nenhum desses se compara à Eliana.

Ai de meus pais se souberem desse meu pensamento... Ai de mim! Mas se formos elencar os motivos, quem era que me fazia companhia toda manhã, ainda que pela tevê, enquanto todo mundo saía para trabalhar?, quem transformava minhas lágrimas infantis de mamãe-já-tô-com-saudade em sorrisos inocentes?, quem foi que me ensinou a dizer “por favor” e “obrigado” e a usar tesoura sem ponta?, quem até hoje tira o tédio dos meus domingos e diverte meu estresse com quadros interativos e humor inteligente?

Os olhares continuavam ameaçadores, e eu fui obrigado a repetir: “A Eliana.” A psicóloga deu uma chacoalhada de cabeça e me fitou ainda incrédula. Especifiquei: “Eliana, a apresentadora, a loira, a dos dedinhos, ex-patotinha, mãe do Arthur, esposa do João Marcelo, cunhada da Maria Rita, embaixadora do Teleton...”

Alguns riram baixinho; outros faziam cara de bravos, como se eu estivesse levando tudo na brincadeira. A psicóloga mantinha a pose de psicóloga, indecifrável, mas que talvez fosse uma amostra de que estava gostando. Mas não estava. Não me contrataram. Alegaram que sou adulador demais e deram o cargo ao rapaz que escolheu o dono a empresa como resposta.

sábado, 23 de março de 2013

A maldição do peitinho



Nunca fui o tipo de cara que andava sem camisa, especialmente nos anos iniciais da adolescência. Mesmo que eu quisesse aliviar o calor ou pegar um bronze, decidia poupar a visão das outras pessoas, já que meu físico só interessaria a uma aula de ciências sobre análise de ossos torácicos. O único momento em que podia ficar despido sem causar danos aos olhos alheios era na hora do banho, e foi numa dessas duchas que constatei o fato: estava crescendo um peitinho.

O fenômeno aconteceu apenas no lado direito — o mamilo inchado, saliente. Olhava para aquilo e não sabia dizer se era um terceiro testículo que estava nascendo no lugar errado ou se alguém havia implantado uma pequena prótese de silicone enquanto eu dormia. Lembrei que já tinha ouvido que alguns meninos tinham “fimose”. Fiquei pensando se a palavra “fimose” queria dizer o mesmo que peitinho; mas as imagens nada bonitas que a internet me mostrou me fizeram perceber que esse não era o meu caso. Enumerei, portanto, três hipóteses sobre o que poderia estar acontecendo.

A primeira era que eu havia nascido hermafrodita. Provavelmente, enquanto bebê, uma cirurgia me deixou apenas com os órgãos sexuais de homem, mas, com o avanço da puberdade, meu lado feminino — como se as coisas funcionassem cientificamente assim — estava se desenvolvendo. Eu passaria a ter um único seio e, talvez, a menstruar pelo nariz ou pelo ouvido, além, é claro, de me tornar manchete no telejornal de domingo.

Outra ideia, ainda mais esquisita, era a de que alguém que não gostava de mim havia jogado uma maldição: a maldição do peitinho! Depois de uma reza braba feita com vaca preta em vez de galinha, eu estava condenado a ter um mamilo que inflaria como balão e um dia explodiria como um furúnculo gigante.

A última tentativa de justificar a situação era a de que eu estava com uma espécie de câncer de mama masculino. E isso começou a me preocupar tanto que fui ao médico. Chegando lá, mostrei o carocinho para ele.

— Doutor, é grave?

Ele sorriu e disse que era apenas um caso de ginecomastia, que acontecia com quase todo menino, que era uma concentração de hormônios, que logo voltaria ao normal, nada mais do que isso. Insisti:

— Tem certeza que não é macumba?

A boca dele tornou a dizer que não era nenhuma anormalidade, mas garanto que a mente pensou na seguinte resposta: “Esses adolescentes...”