sábado, 31 de março de 2012

Escola Estadual da Santíssima Trindade



"Ai, que judiação!" é a frase que mais ouço quando digo que sou professor. Se digo que dou aulas para o ensino médio, me recomendam algum tipo de novena. Se digo, então, que é em escola pública, fazem promessa por mim para santos que até católicos fervorosos desconhecem. Mas para o santo governador, o único que pode proporcionar melhorias no ensino público, ninguém reza uma oração.

Mesmo sem pensar muito, sabemos que o governo é totalmente o oposto do paraíso. Ainda assim, todos os vinculados se julgam seres celestiais. Nós, professores, é que somos os verdadeiros mártires. Pagam-nos uma merreca de dízimo, que por algum motivo preferem chamar de salário, e querem que façamos milagre.

A escola e a igreja têm a ver. Os ensinamentos pregados na escola pertencem à mesma fôrma da didática que se estabelece na igreja. Na escola, contudo, comete-se um pouco mais de pecado.

Eu, professor, confesso que pequei uma vez por pensamentos que se tornaram palavras, contatos que se tornaram revelações. Por minha culpa, minha tão grande culpa, peço aos meus amigos cronistas, aos éticos e críticos e a todos os leitores em primeira mão que me perdoem pelo ato vergonhoso que tenho a contar.

Comecei a lecionar muito cedo. Concluí minha licenciatura em Letras, já passei a atuar como professor de inglês. A ideia que os alunos fizeram ao saberem que o teacher tinha vinte anos foi presumível: da galera.

Mais do que me respeitar, eles me viam como um amigo, um adolescente mais velho. Minhas aulas eram prazerosas não pelo conteúdo, mas pelo bate-papo informal que eles tinham comigo entre uma explicação e outra.

Com alguns, a afinidade ficou tão grande que me transformei em um pseudoterapeuta. Os desabafos variavam de "Meu pai chegou bêbado novamente em casa" a "Meu namorado gosta de se exibir pela webcam". Porém o que me chamou atenção foi "Estou apaixonado por uma mulher casada".

O garoto mal completara dezessete anos e vivia como um personagem de telenovela. Procurei conhecer melhor o caso. Ele era inexperiente e a mulher que ele ansiava era apenas dois anos mais velha que ele, mas comprometida. Lamentou não ter dom para fazer-se ser notado.

Compadeci pela situação dele. Ele era um jovem que não merecia viver a frustração do amor platônico. Decidi que o aconselharia, a minha maneira. Cabotinismo à parte, sempre tive facilidade em conquistar mulheres mais experientes.

Depois das aulas normais, vinha o reforço. Almoçávamos juntos e eu aproveitava para lhe dar as dicas mais essenciais. A relação professor–aluno continuava. A diferença era que, em vez de eu ensinar inglês, ensinava a língua do amor.

Ele era aprendiz de jornalista, inteligente e bem desinibido. O estilo e a postura para a conquista ele tinha. O que atrapalhava era o nervosismo, mas, aos poucos, consegui fazê-lo relaxar. O máximo que poderia acontecer era ele ter o sentimento negado e isso não seria tão pior quanto à situação dele no momento.

Trabalhava para o jornal local como um repórter-fotógrafo: registrava os acontecimentos com imagens tiradas com sua câmera digital e uma pequena crônica escrita por ele próprio. Dessa forma, havia dias em que ele precisava faltar da escola para cobrir alguma manchete ocorrida pela manhã.

Certo dia, não o vi na aula. Acreditaria que estivesse trabalhando, se não soubesse que a matéria que ele fazia era outra, que finalmente tivera coragem para pôr em prática o que havia aprendido. De uma maneira estranha, me senti realizado por tê-lo ajudado.

Voltei para casa, pensando nas novidades que ele teria para me contar no dia seguinte. As novidades, entretanto, foram antecipadas no instante em que abri a porta de casa e o flagrei com minha esposa.

Foi então que pequei. Apaguei de propósito as respostas da prova dele e o deixei com média baixa no bimestre. Um professor jamais poderia agir de tal maneira para com um aluno. Espero que exista perdão para essa minha atitude.

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