sábado, 27 de abril de 2013

Nojo de menina



Menino tem nojo de menina, tal como o Super-Homem tem medo de kryptonita. O guri das cavernas, por exemplo, morria de raiva quando a melequenta cavernosa vinha com uga-ugas para cima dele, querendo brincar de pique-mamute (uma versão pré-histórica do esconde-esconde na qual a parede é um elefante peludo). Isso não seria problema se ela respeitasse o jogo e não espiasse, entre os pelos do animal, o esconderijo do menino. Depois, ainda por cima, se ele ficava cheio de grrrrrs, era ela que o enchia de mordidas.

Se menino e menina nascessem para se dar bem, Deus teria criado Adinho e Evita; como fez um casal de adultos, deixou a entender que ele já sabia que, abaixo dos 10 anos, seria guerra na certa: ela, jogando maçãs na cabeça dele, e ele pregando o maior susto ao colocar a serpente perto dela; ela cantando com as formigas e cigarras: “Aqui no Éden, os machos fedem...”, e ele retrucando com os javalis e suricatos: “Quer ser toda princesinha, mas saiu de uma costela minha...”

Os tempos modernizaram, mas a situação continua a mesma. Menino tem nojo de tudo que seja da menina: ele se irrita com a caneta que escreve em cor-de-rosa brilhante e tem uma pluma pendurada; fica com vontade de vomitar com o perfume fedorento que ela usa; quer rasgar em pedacinhos a revistinha com o teste de “descubra se ele ama você”... 

Só que então chega o dia em que o guri das cavernas sente carinho na mordida da melequenta cavernosa, em que Adinho convida Evita para o primeiro dueto do Paraíso. É o dia em que a menina põe a caneta na covinha dele e faz cosquinha, que o aroma dela se torna gostoso para o nariz do menino e que ele bem que gostaria de ter um teste que respondesse se ela o ama.

A paixão sai de algum lugar do corpo que o menino nem sabia que existia e pousa do lado esquerdo do coração — de tão rara, é canhota! Ele diz que não, bate o pé, afirma que menina não tem nada que preste e prefere a companhia dos amigos machos. Mas quando chega em casa, joga a mochila em qualquer canto do quarto e deita na cama com o fone nos ouvidos, prestando atenção na letra de uma música pop-romântica que nunca esteve acostumado a ouvir.

No grito da mãe para ir almoçar, o “calma aí!” sai com a certeza de que não terá pressa para se levantar dali. Gosta de pensar na menina nojenta, chata, irritante, insuportável, mas que faz ele se sentir bem. Decide, então, que vai ser nojento, chato, irritante e insuportável na mesma proporção, para saber se consegue prolongar o sentimento que ele não sabe o que é.

Após dias e mais dias de muita nojeira, chatice, irritação e atitudes insuportáveis — por parte dele, propositais, e por parte dela, apenas para ele —, ela se cansa e dá um tapa na cara dele. Ele fica imóvel por alguns segundos e revida dando um chacoalhão nela. Ela grita. Ele berra. Ela pisa no pé dele e tenta sair. Ele a agarra pela cintura e impede. Os dois se olham com raiva. Os lábios se encontram.

O selinho acontece do nada, na situação mais inusitada possível. Ele sente um pouco do que pensa ser nojo, mas é só o lado esquerdo do coração falando mais alto. Ambos se afastam e fingem que nada aconteceu. Do outro lado do muro, um amigo que brincava de pique-mamute moderno vê a cena e espalha para a escola inteira. Quando vão perguntar, ela nega. As amigas acreditam nela, afinal, menina tem nojo de menino.

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