sábado, 13 de novembro de 2010

Relato de um Francês

As calças coloridas se tornaram moda entre os adolescentes; os cachorros de raças mescladas se tornaram moda entre as senhoras; o broche na gravata se tornou moda entre os executivos; a exportação se tornou moda na União Europeia. A Itália exportava vinho e azeite; Portugal exportava bacalhau; a Inglaterra exportava batatas fritas; a França exportava ciganos.

Oito mil ciganos — uns a mais ou a menos, a exatidão não importa nem para as estatísticas — tiveram suas moradias simpaticissimamente destruídas e foram amabilissimamente convidados a embarcar em um cruzeiro até a Romênia ou a Bulgária. Sem volta. Sem direito a recusa.

Desgostosos de tal evento, nos infiltramos clandestinamente em outro navio, eu e mais vinte, e seguimos com o medo na veia, mas a coragem na alma, orgulhando o sangue nômade e o espírito, ainda que decepcionado, francês. Representaríamos uma nova imigração francesa rumo ao mais extenso território sul-americano.

No Brasil, não houve preconceito com a nossa chegada. Ao contrário, parecendo se interessar pelo estrangeiro, os brasileiros vieram receber nossa trupe com buquê e champanhe. Depois nos levaram para tomar um café da manhã com baguete, croissant e petit gateau.

Éramos desconhecidos, mas o povo nos tratava como se fôssemos a Madonna fazendo uma turnê. As mulheres trocavam entre si os batons, os rimeis e até os sutiãs comprados na butique. As brasileiras se ofereciam para preparar um requintado suflê com chantili, desde que, em agradecimento, víssemos a sorte delas no tarô.

Na hora do almoço, tivemos até garçom, nos servindo o couvert: maionese e vinagrete. Depois se iniciou o bufê cheio de frufru, com coq au vin no início e mousse no final. Foi uma refeição livre de qualquer gafe.

Ainda no primeiro dia, um parceiro e eu, ambos solteiros, fomos a uma boate, na sessão da matinê, e conhecemos Biju, uma mademoiselle que usava muita maquilagem e desfilava, dançando balé, sobre uma passarela. Não preciso nem dizer que o dia terminou em um ménage à trois.

Conseguimos, em pouco tempo, um emprego como instrutor de esqui e, com dinheiro em mãos, nos sentimos verdadeiros czares. As mulheres quiseram ajudar, ocupando ofício de manicure e pedicure ou fazendo balaiagem e degradê nos cabelos alheios.

A Guiana Francesa que me perdoe, mas o Brasil se tornou oficialmente nossa segunda França. Importou pessoas estrangeiras; importou parte de nossas vidas; importou-se conosco. Posso não ser o ás da escrita, mas faço deste registro um dossiê.

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