sábado, 19 de fevereiro de 2011

Sete Horas


Todos os dias ela almoçava no único restaurante francês da cidade. Sempre às 11h, passava ligeira pelo espaço interno, ignorava a área destinada a fumantes e ia se sentar numa mesa ao ar livre sob a sombra de um guarda-sol. Frango ao vinho tinto e uma mescla de creme de leite e baunilha com uma fina superfície de açúcar queimado eram os pratos prediletos da senhorita.

Satisfeita, ia trabalhar. Diretora de um programa de variedades, passava do meio-dia às 19h orientando a apresentadora e os convidados para que o espetáculo exibido ao vivo ficasse realmente espetacular.

Na saída, praticamente esbarrava seu conversível preto no conversível também preto de outro diretor. Este um comandava o próximo programa de entretenimento, até as 2h.

O breve encontro acontecia diariamente, porém ambos não se conheciam nem por vista nem por nome, porquanto a equipe de produção não era alvo de fofoca nos bastidores.

Para ter a energia necessária para dirigir um programa em horário nobre, ele jantava todos os começos de noite, às 18h, na plataforma do Bon Appétit. Coincidência ou não, era comum ele pedir coq au vin e crème brûlée.

As horas são capazes de separar as pessoas, mas nem sempre por fuso horário. Os diretores moravam na mesma cidade, trabalhavam na mesma emissora, comiam no mesmo restaurante. Podiam ser considerados almas gêmeas, entretanto sete horas impediam que eles se encontrassem.

Ambos eram sócios do mesmo clube, alugavam filmes na mesma locadora, frequentavam a mesma loja de roupas, utilizavam o mesmo caixa eletrônico... Faziam exatamente a mesma coisa, embora com sete horas de diferença.

Certo dia, ele decidiu deixar o luxo e as guloseimas francesas de lado e fazer brigadeiro, o típico negrinho brasileiro. Era sábado de folga, e a luxúria por cacau fez com que ele saísse às 20h para comprar os ingredientes necessários. Logicamente, sete horas antes, ela já havia cozinhado o leite condensado com o achocolatado, por isso sentou-se para dar à massa o formato de bolinhas e polvilhar com granulado.

"O granulado! Como pude esquecê-lo?", pensou, dando um tapa na própria testa.

Sem o confeito, o brigadeiro não seria brigadeiro, mas uma pasta de chocolate, e isso não saciaria seu desejo. Teve, portanto, que correr ao supermercado em pleno crepúsculo de sábado. Não haviam planejado isso nem ela nem o destino.

Segurando o último pacote de chocolate granulado, eles se entreolharam pela primeira vez. Timidez, ternura e paixão tornaram o momento inesquecível. Na indecisão de quem levaria o produto, ela o convidou para enrolarem as bolinhas na casa dela.

Alguns minutos de conversa, grandes descobertas. Ambos haviam inclusive nascido no mesmo dia, sendo ele apenas sete horas mais novo.

O tempo passando, o sofá trocado pela cama, a conversa substituída por outros atos. A partir desse momento, deram início a uma linda história de amor.

Eram o casal perfeito: ela lavava parte das roupas sabendo que em sete horas ele lavaria o resto; ela pagava metade das dívidas, e ele pagava a outra metade sete horas depois; ela assistia tranquila à novela, pois ele só iria querer assistir ao jogo de futebol dali a sete horas.

Em pleno crepúsculo de um sábado ela foi chamada de última hora para dirigir uma edição especial do programa. Ele ficou em casa esperando um telefonema da emissora, pois obviamente faria plantão naquela noite.

Alguns minutos depois, ele ligou a televisão com o objetivo de contemplar o trabalho da namorada, mas se deparou com a notícia de um acidente. Não podia crer, mas o que via era um conversível chocado severamente contra um poste, os pedaços do automóvel preto espalhados pela pista. Aflição, espanto e dor tornaram o momento inesquecível.

A angústia espremia o peito e provocava um nó na garganta. Primeiramente pela trágica morte da amada, depois por saber que dentro de sete horas seria ele quem morreria.

Precisava se distrair e para isso tentou de tudo: varrer a casa, arrumar a cama, passar e dobrar todas as roupas, mas era inútil. Antes de realizar alguma tarefa, lembrava que esta já havia sido feita sete horas antes. De tal forma, restou-lhe apenas ficar sentado na poltrona, curtindo lugubremente suas últimas horas de vida.
Morreu. O coração parou de bater assim que o relógio indicou que sete horas tinham se passado desde o acidente.

O atestado de óbito constatou que de fato ele teve uma parada cardíaca, mas foi por causa da ansiedade e do nervosismo, visto que não sabia que a magia das sete horas já havia sido rompida após o falecimento da mulher.

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