sábado, 2 de julho de 2011

Sonho de Astronauta


Mal raiava o dia no sertão nordestino e o sol já rachava as poucas mamonas que resistiam à temporada de seca. Tarcísio, às seis horas da manhã, se preparava para mais um dia de trabalho.

Não tinha nem onze anos, mas já trabalhava arduamente para ajudar nas despesas. O pai era ajudante de pedreiro na construção vizinha e a mãe ficava em casa cuidando dos outros sete filhos. Ele era o mais velho e, por isso, decidiu que arrumaria, sozinho, um emprego na companhia de reciclagem.

A família era pobre e morava em uma vila condizente com a classe baixa. Nas ruas, não havia energia elétrica; nas casas, faltava água encanada. Pois isso, Tarcísio era obrigado a aproveitar o calor natural do amanhecer para se banhar no riacho.

Enquanto se molhava com a água gelada pelo orvalho, imaginava coisas. Geralmente coisas impossíveis de acontecer. Então, um dia, enquanto a água lavava a nuca, Tarcísio percebeu que tinha um sonho.

Não era um sonho do tipo que se tem dormindo, muito menos sonho de padaria com creme e açúcar. Sonhos desse tipo, Tarcísio não tinha, afinal, dormia pouco e nunca sobrava dinheiro para sobremesas.

O sonho de Tarcísio era sonho de desejo, sonho de vontade. Desejava ser astronauta, pois tinha vontade de decolar até o céu e conhecer de perto as estrelas e os planetas que ficam escondidos atrás das nuvens.

Um dia ainda vou transformar esse sonho em realidade, gostava de pensar.

A partir de então, passou a imaginar como devia ser bom se tornar um astronauta: a adrenalina aumentando e o cronômetro entrando em contagem regressiva até que, de repente, fogo!

Num desses banhos de imaginação, Tarcísio perdeu a noção do tempo e isso fez com que ele chegasse cinco minutos atrasado na companhia de reciclagem. O chefe parecia bravo e foi logo bufando:

— Como você explica esse atraso? Isso é um absurdo! Eu não admito gente vagabunda na minha empresa. Mais um atraso e você será demitido. E só para constar: esses minutos serão descontados no seu pagamento, no fim do mês.

Como um cãozinho faminto e medroso, ele baixou a cabeça e foi para sua função: amassar latinhas de alumínio. Era obrigado a pisar em mais de mil latinhas por dia para ganhar menos de cem moedas por mês.

Numa pisada meio torta, a latinha rasgou no meio e, num pulo desordenado, acertou a perna direita de Tarcísio. Fez um corte pequeno, mas que começou a sangrar.

Grandes astronautas não se desesperam com um cortinho.

Ignorou a dor, segurou o choro e apertou o lugar do corte, com as mãos sujas de terra, para estancar o sangramento. Terminou o serviço com a perna esquerda. Demorou mais do que de costume e, consequentemente, atrasou-se para a entrada da escola.

Estudava à noite, na única escola pública da região, que ficava na divisa com outra cidade. A vila em que ele morava era pequena, todos se conheciam, e, por coincidência, sua professora era a mulher que morava na casa de frente para a sua.

Ainda que conhecida, a mulher também não era simpática com atrasos. O horário da noite era alternativo, geralmente para os adultos que não tinham estudo e precisavam trabalhar durante o dia, portanto eles deveriam ser responsáveis e não atrasar.

A essa altura do dia, Tarcísio nem sentia mais o corte na perna, mas suas orelhas doeram quando a professora deu-lhe a primeira bronca por desobedecer ao horário. Em seguida, a segunda bronca — por não ter feito a lição de casa.

— Mais uma vez sem cumprir o dever... E você ainda acredita que um burro como você vai passar de ano?

Tarcísio, mais uma vez, fez-se de filhotinho, com o rabo entre as pernas. Durante o intervalo, em vez de aproveitar o recreio, ele ficou na sala de aula, respondendo aos exercícios que não havia feito.

Grandes astronautas não desistem no primeiro obstáculo.

No fim da aula, a professora foi embora com seu carro de quatro décadas atrás e não ofereceu carona. Tarcísio caminhou, como de costume, os quase sete quilômetros até chegar à sua casa.

Já era madrugada e o estômago roncava. Na mesa, apenas um pão seco, o qual comeu com a água da moringa. Foi sua primeira refeição do dia.

A rotina se repetiu por mais alguns dias até que o corte na perna mostrou ter sido a porta de entrada para inúmeras bactérias. Com as defesas do corpo enfraquecidas, Tarcísio veio a adoecer.

Grandes astronautas não ficam na cama por muito tempo.

E lutou contra a infecção que havia contraído. Pensava no dinheiro que deixava de ganhar a cada dia que faltava do trabalho; pensava nos irmãos que deixava de ajudar sem o dinheiro; pensava na escola e nas aulas que perdia. Mas nada disso o afastava do sonho de astronauta.

Em menos de uma semana, a temperatura corporal aumentou e as batidas do coração entraram em contagem regressiva. Finalmente, havia chegado a hora de Tarcísio conhecer o céu.

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