sábado, 7 de julho de 2012

Primorados



Cheguei à casa de Caroline pedindo vitamina de morango, mas a polpa havia acabado. Pensei em pedir um beijo para que o batom se encarregasse de transmitir o sabor da fruta, mas me contive. Calei o coração, respirei fundo e me contentei em sentir seu perfume com aroma de frutas vermelhas.

Vermelhas como as notas que nunca tirei. Sempre tive a sorte de me sair bem em praticamente tudo o que me proponho a fazer: estudo, trabalho, artes. Dizem que sou uma pessoa felizarda — mas isso porque ninguém coloca o amor nessa avaliação. Aos 18, já me considero marcado pelas frustrações amorosas.

Posso não demonstrar, mas é certo que prefiro a tragédia. Inexplicavelmente, me sinto bem em falar sobre os foras, as torcidas de nariz e as diversas viradas de rosto que já levei. É como se, falando, a realidade se transformasse em ficção e ficção doesse menos.

Supondo que as garotas possam ser classificadas como frutas, minha primeira paixão foi um açaí. Ela estudava em outra escola, região distante. Conhecia-a pessoalmente, mas achava que com o Orkut eu chegaria até ela mais rapidamente. O resultado foi que, enquanto eu upava meus arquivos em conexão discada, um garoto off-line a tomou com guaraná antes de mim. Daqui surgiu um conto.

A paixão seguinte foi uma laranja, a fresquinha que era consumida por todos os meninos da escola. Talvez a desejasse somente por ser menino e ser da escola. Mesmo assim, deixei meu romantismo meloso lutar contra a luxúria cítrica dela e me declarei por SMS. Ela se tornou lima, mas foi pela doçura que sentiu por uma ligação que chegou antes do meu torpedo. Daqui surgiu outro conto.

Decepcionado sentimentalmente, misturei ambas as frutas e fiz um energético que me deu forças para escrever um romance juvenil de amor não-correspondido. As cento de vinte páginas foram lidas e despertaram a identificação de diversos outros cujas frutas não lhes cresciam no pomar.

Até esse ponto, acreditava que, mesmo dramática, minha vida amorosa era original. Quando percebi que nem nisso conseguia evitar o clichê, o assumi de vez e tratei de me apaixonar pela minha melhor amiga.
Ela era uma banana, estava sempre presente. Sabia que me amava e todo mundo confirmava isso. Por isso a surpresa foi grande quando lhe compus uma música e parei de ouvir sua voz. Minha melodia se perdeu em desarmonia quando ela me fez cair em sua casca e entrou em período antitropical, como se não existisse mais para mim.

Nisso virei a página e conheci uma ameixa que me levava a sério, tão a sério que impedia minha aproximação para que não me machucasse com o caroço. A banana resolveu reaparecer e desenvolver a péssima mania de fazer simpatias desejando minha morte. Fiquei tão preocupado com isso que não me atentei quando a ameixa já estava servindo de enfeite para outro manjar.

Estava cansado de ser vítima das garotas e resolvi desabafar com um amigo, o qual era o único que parecia ser capaz de me entender. Era como uma baunilha, especiaria inconfundível. Os blá-blá-blás dele me fizeram esquecer o mundo feminino e passaram a dar um sabor diferente à minha vida.

A afinidade era tanta que quando comentei foi sem muito nervosismo e o choque que ele levou não foi forte, pois também curtia uma salada de vegetais. Pensei que, já que não havia dado certo com as frutas, daria com as plantas — ou melhor, com a única planta pela que aconteceu de eu me apaixonar. Mas ele não me permitiu tocar em seu pólen.

Com o tempo, vi a baunilha se transformando em um sorvete de creme e, mesmo sendo chupado por vários, esse loiro gelado não deixava que eu tirasse nem uma casquinha.

Então fiz meu relatório: se não dava certo nem com meninas nem com meninos, nem com frutas nem com plantas, o problema estava em mim. Concluí que a melhor maneira de não dificultar as coisas era abrir mão delas.

Mas, aparentemente, as dificuldades me perseguiam. Pouco tempo depois, tentei, mas não pude ignorar o amor que passei a sentir por Caroline, que não conheci pela internet nem tinha namorado, mas cujos pais eu chamava de tios.

Já fomos confundidos como um casal diversas vezes. Dizemos, portanto, ser primorados. Os beijos estão descartados, bem como as carícias íntimas, mas ambos nos relacionamos muito amigavelmente. Eu me sinto muito bem ao lado de Caroline e — posso estar enganado — noto reciprocidade.

O namoro entre primos, no entanto, por mais que tenha se tornado comum, ainda choca toda a família. Como tudo o que é chocante me causa dores estomacais, evito a gastrite nervosa deixando que o relacionamento amoroso aconteça somente na imaginação.

Queria lhe provar o morango do batom. Queria lhe aspirar o morango da fragrância a todo  instante. Queria ser o elefante audacioso que pinta as unhas de vermelho para entrar escondido no campo de morangos. Mas prefiro evitar transtornos criando ilusões antes de dormir.

“No Natal, a pedirei como presente.” E, para ajudar, ela me tirara no amigo-secreto.

“No Réveillon, a cumprimentarei nos lábios.” A meia-noite realmente trouxe a vontade, mas não a coragem necessária.

“Um dia a levarei no cinema e...” Os pensamentos terminam sempre da mesma forma, mas continuam apenas pensamentos. Sonhar é mais garantido do que agir.

Tenho certeza de que um dia contarei e tenho certeza de que nunca contarei. Devido ao paradoxo de certezas, prefiro estabelecer como certo o fato de que sempre seremos primos e de que, com abraços fraternais, poderei apreciar seu cheiro e a cor da sua boca. Poderei viver rondando o campo de morangos para sempre.

Um comentário:

  1. João Paulo,

    Parabéns pelo belíssimo texto!
    Tem um maravilhoso jeito de escrever.Sabe como ninguém, prender a nossa atenção.
    Mais uma vez, parabéns.

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