sábado, 21 de julho de 2012

UM GATO CAOLHO DO RABO COMPRIDO: Seja minha namorisne, que serei seu patorado



Nunca pensei em um dia chegar e te ouvir dizer:
Não é por mal, mas vou te fazer chorar.
PATO FU, Canção pra você viver mais.

Topete de pato deveria se chamar topato. Sempre fico pensando que seria bem melhor se tudo que é relacionado a um bicho tivesse um nome que fizesse lembrar o do tal bicho. Assim, como sou um gato, levaria gatombos quando caísse, e minhas patas deixariam pegatas por onde passassem.

Mas estou me questionando do topato, ou melhor, do topete de pato, porque esses dias, enquanto tentava capturar alguns peixes com minhas unhas afiadas, vi um patinho olhando o próprio reflexo na água. Ele era bonito do topete à pata. Aliás, pata é um nome corretíssimo para dar aos pés do pato.

Fiquei escondido atrás de um arbusto, para vê-lo se admirar, como se fosse a joia mais preciosa do bosque. Não demorou muito, algumas patinhas passaram perto do rio. Estavam à procura de uma sombra, para fazerem um piquenique. Quando viram o patinho, não resistiram a tanta beleza e suspiraram:

— Ai, como eu gostaria que o Adônis fosse meu patorado!

— É... Não existe patinho no mundo mais bonito do que ele.

Minhas gatorelhas conseguem escutar a longa distância. Continuei prestando atenção ao que acontecia e ouvi quando elas o convidaram para o piquenique:

— Adônis! Ô, Adônis! Venha comer um sanduíche com a gente. Tem de alface com milho e tem de atum.

— Obrigado, meninas. Mas ficarei aqui, olhando para o rio. A água é uma excelente companhia, sabiam?

As patinhas se foram, e ele continuou com seu ritual. De repente, um cisne charmoso e delicado passou nadando perto dele; era uma fêmea cor-de-rosa que deslizava pela água com a elegância de uma bailarina.

Adônis se apaixonou pela ave à primeira vista. Não perdeu tempo e entrou na água para iniciar uma conversa com ela. Pensou em conquistá-la, contando-lhe uma piada.

— Ei, sabe o que o pato faz quando quer dar o fora em alguém?

— Não, o que ele faz?

— Dá uma patada.

Para a infelicidade de Adônis, ela não riu. Possivelmente, cisnes não entendam piadas sobre patos, bem como patos não entendem piadas sobre gansos. É a lei do humor animal! Gatos, sim, entendem sobre tudo um pouco. Talvez seja por causa do nosso bigode engraçado.

— Eu me chamo Adônis.

— E eu sou Cyz.

Cyz sabia que a intenção de Adônis não era unicamente agir como um comediante de stand up — ou, no caso, stand-uck. Pediu para que ele fosse direto ao assunto, que saísse do zero a zero, que desempatasse logo a conversa, que tomasse coragem para...

— Eu amo você! Quack! — ele disse. — Quer ser minha patorada?

— Adônis... Como posso ser sua patorada, se sou um cisne?

— Então, seja minha namorisne, que serei seu patorado. Sei que sou bonito e que todas as patinhas sonham comigo. Você também pode sonhar. O que preciso fazer para você me aceitar?

Cyz resolveu dar uma volta ao redor de Adônis. Olhou e analisou cada parte do seu corpato. Em seguida, respondeu à pergunta.

— Você é lindo, mas é muito fraquinho. Só aceitaria ter algo com você, se fosse um pouco mais forte.

Aquilo foi tudo que Adônis precisava ouvir. Nadou até a margem do rio, saiu da água e correu bosque adentro.

Sei bem sobre aquilo que dizem, de que “a curiosidade matou o gato”, mas eu não poderia deixar de ir atrás dele. Assim, vi quando o patinho começou a malhar, sem parar, fazendo flexões, levantando galhos de árvores e arremessando pedras.

— Vejamos se, depois dessa malhação, não serei bonito suficiente.

Depois de um tempo, ele voltou para o rio e ficou olhando seu reflexo na água: estava com as asas mais musculosas, com o bumbum mais empinado e com as patas mais grossas. Gostava de se olhar, ainda mais lindo, ainda mais forte. De repente, a água tremeu, e Adônis percebeu que Cyz se aproximava.

— Hum, vejam só! — ela disse. — Está com um visual mais atlético.

— Sim, sou o patinho mais bonito de todo o mundo. Pode acreditar! E agora, você aceita ser minha namorisne?

— Ainda não. Como é que poderemos nos beijar, se temos bicos tão diferentes? O seu é totalmente chato e parece até uma pá de pedreiro. Enquanto você não tiver o bico mais fino, não podemos ter nenhum compromisso.

Não adiantava fazer bico. A opinião de Cyz era incontestável. Olhando para a água, ele compartilhou o mesmo sentimento: o bico realmente enfeava sua face. Ele precisava encontrar um jeito de arrumar aquilo, nem que fosse com cirurgia pática.

Do nada, ele arregalou os olhos; isso era sinal de que havia tido uma ideia. Saiu correndo para dentro do bosque, e eu o segui, esgueirando-me entre as árvores. Ele pegou duas pedras e começou a lixar o bico.

— Quero só ver se, depois dessa afinação, ainda não serei bonito suficiente.

Lixou, lixou, lixou, até que o que era chato se tornou cilíndrico. Assim, voltou para o rio, encantou-se com o próprio reflexo e, depois, chamou Cyz.

— Cyz! Cyz! Veja... Estou forte e com o bico fino. Agora, sou ainda mais belo.

— Hum... Mas ainda falta algo em você. Seu pescoço é tão curtinho. Se você não tiver o pescoço mais longo, não conseguirá me alcançar para me olhar nos olhos.

Adônis via novamente sua imagem na água: já era um pato bonito, mas é claro que, se esticasse o pescoço, ficaria elegantíssimo.

Correndo, mais uma vez, Adônis escondeu-se dentro do tronco de uma árvore. Fui atrás e o vi empurrando a cabeça para um lado e para o outro, para frente e para trás. Forçava a musculatura do pescoço para que crescesse. Fez isso várias vezes, até que ficou parecido com uma girafa em miniatura.

Ele se aproximou da beira do rio, inclinou-se e viu uma figura muito diferente da que ele era no início: o pato Adônis havia se transformado em um cisne perfeito, um lindíssimo cisne branco. Estava ansioso para se mostrar à Cyz.

— Cyz! Cyz! Cadê você?

Mas a jovem rosada havia desaparecido. Adônis entrou no rio e nadou por todos os cantos para encontrá-la. Tentei ajudar, pulando de arbusto em arbusto. De repente, foi possível enxergar a imagem dela, escondida entre as folhagens. Ao seu lado, no entanto, havia um lindo cisne azul-claro.

Coração de gato é menor do que coração de gente humana, mas se comove com a mesma facilidade. Quase chorei ao ver a tristeza nos olhinhos de um pato que, depois de tanto sofrimento, perdeu a amada para outro.

Sentado à beira do rio, Adônis mantinha o olhar baixo, ora admirando sua imagem refletida na água, ora tentando enxergar o horizonte, onde se formava uma violenta cachoeira. Saí da zona de conforto, cheguei perto dele e resolvi conversar.

— O amor não tem espécie, não é mesmo?

— O quê? Quem é você? Vai me devorar?

— Calma, meu amigo. Sou apenas um gato caolho do rabo comprido e não faço mal a ninguém, a não ser às sardinhas que caço para me alimentar.

Adônis ainda estava assustado, pois não entendia o que eu queria com ele. Mesmo assim, tentei animá-lo.

— Você é o pato mais bonito que já conheci. E tem esse topete incrível! Agora, então, está tão belo quanto um cisne branco.

O patinho franziu o cenho e levantou a vista. Os olhos arregalaram outra vez: teve uma nova ideia.

— É este o problema: eu sou branco!

— Como é?

— A Cyz só se interessou por aquele outro cisne, porque ele é azul-claro, uma cor tão rara quanto a dela. É isso! Preciso tingir minhas penas. Quero ficar da cor do ouro e, aí sim, conquistarei seu coracisne.

Adônis parecia disposto a fazer o que estivesse ao seu alcance para ter o amor correspondido. Saltando como um pato mal-acostumado com as mudanças físicas, colheu algumas flores. Em seguida, retirou o néctar de cada uma delas e espremeu tudo em seu corpo. O líquido amarelo trataria de deixá-lo totalmente dourado.

Logo veio o resultado: Adônis, além de ser tão belo quanto um cisne, estava tão dourado quanto uma pepita reluzente. Não havia como disputar com tamanha beleza.

No entanto, um zum-zum-zum foi ficando cada vez mais alto. Meu instinto de gato soube que coisa boa não podia ser. Quando Adônis se virou, um enxame de abelhas vinha em sua direção.

— Por favor, não me ferroem — ele dizia. — Não fiz nada para vocês.

— Desculpe, mas precisamos colher o néctar para fazer o mel, e você usou o de todas as flores. Agora, precisamos pegá-lo de você, ainda que seja dolorido.

Mesmo tomando cuidado, as abelhas acabavam ferroando Adônis. Ele ia ficando mais vermelho e inchado a cada picada. Em desespero, ele correu até o rio e pulou. As abelhas, que são como gatos e odeiam água, foram embora.

Ao sair, o estado de Adônis era lamentável: as ferroadas o deixaram deformado, e a tintura, mesmo sendo natural, fez com que a maioria das penas caísse. O topete era a única coisa que continuava intacta no patinho.

Nesse momento, um grupo de patinhas passou, e uma delas comentou:

— Gente, veja! É o Adônis. Dá para reconhecer pelo topete.

— Imagine, amiga! Onde já se viu comparar o Adônis com essa criatura horrível? E vamos embora, porque essa feiura faz meus olhos arderem.

Desiludido, Adônis sentou-se na beira do rio, apreciando sua imagem: os músculos o deixavam parecido com um ogro; o bico fino o fazia parecer um acidentado; o pescoço longo era desengonçado e molenga; e a falta de penas mostrava que ele havia se transformado em um monstro.

Cyz e o cisne azul-claro passaram por ele, indiferentes, com suas asas entrelaçadas. Achei melhor não me aproximar. Adônis derramou uma lágrima, e o reflexo estremeceu. Do fundo do rio, uma voz falou:

— Por que um patinho tão lindo como você está tristonho assim?

— Lindo, eu? Sou uma aberração da natureza!

— Imagine. Você é igualzinho a mim. Venha, seja meu par.

Talvez as águas estivessem certas; afinal, elas eram a melhor companhia. Adônis entrou no rio e seguiu na direção da correnteza, até desaparecer completamente no horizonte.

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