sábado, 15 de setembro de 2012

Garota Terremoto



Um sonho que eu tinha na minha pré-adolescência pós-moderna era conhecer a Europa. Meu paladar até sentia os sabores do chocolate suíço, do salsichão alemão e da pizza italiana, só de imaginá-los. Depois que fui crescendo, as suíças, as alemãs e as italianas é que deram um novo gosto à minha juventude. Mas, vendo o tanto de desastres que acontecem do lado de lá do Atlântico, entrei numa desilusão barroca.

Para não descartar totalmente a Europa e passar a vê-la apenas como ponto alto das tragédias, decidi amenizar tudo com literatura. Dentre todos os acidentes europeus, os meus preferidos são os de trem. Acredito ter uma paixão secreta por descarrilamentos. Os atentados no metrô de Moscou e de Madri são exemplos que serviram de base para textos que encarrilaram no gosto dos leitores.

Mas há uma coisa, em Lisboa, que sempre me intrigou mais do que os meios de transporte: os fenômenos da natureza. Não me refiro aos portugueses, trovejados em avalanches de piadas tempestuosas; e sim às catástrofes naturais, em especial o terremoto de 1755. Faz quase trezentos anos desde essa desgraça, mas os abalos sísmicos continuam em alta por lá.

Com a facilidade da internet em aproximar pessoas distantes e criar intimidades com estranhos, conheci uma garota lisboeta — para mim, garota; para ela, rapariga. Ambos dividíamos o mesmo amor pelas Letras e esse foi o elo da nossa amizade virtual. Ela, então, se apresentou como a miúda benjamim de um gajo porreiro, e eu também era o filho caçula de um cara simpático. Foi mais uma coisa em comum.

Antes mesmo de transformá-la decididamente em algo real, precisei consolá-la: foi quando José Saramago morreu. Sua terra estava em tremor, num terramoto, como ela dizia, e precisou se apoiar em mim para não cair. Acabamos por confiar um no outro. Em menos de trinta tuitagens, já estávamos trocando senhas pelo privativo. A partir de então, ela tinha acesso a todas as minhas contas de sites de relacionamento.

O envolvimento era quente até que um novo terremoto começou. Eu era a favor do retorno do trema, e ela era contra a queda dos c e p impronunciáveis. Eu queria a volta dos acentos nas paroxítonas terminadas em ditongo, e ela continuava abolindo o circunflexo. Eu insistia no você, ela batia o pé no tu. Dentre tantas coisas em comum entre mim e ela, havia uma diferença que não nos deixava ser um casal feliz: a língua.

Após muitas discussões lexicográficas, decidimos bloquear um ao outro; era isso ou se comunicar em inglês. Por fim, me lembrei de que precisava trocar a senha das minhas redes sociais, mas já era tarde. Ela já havia excluído fotos, insultado amigos, adicionado spams, feito um terramoto no meu perfil. Ah, aquela rapariga!

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