sábado, 1 de setembro de 2012

Se a ilhota é minha, chamo de ilhinha!



A ilha de Onira é a menor do mundo, com somente um palmo de extensão. Mas a ilha de Onira é também a maior do mundo, pois abriga bilhões de habitantes e se limita com milhares de universos. É um lugar tão perto que pode levar para tão longe. Não tem mapa físico nem político; aparece apenas no mapa anatômico. É uma ilha particular, em que só entram aqueles que forem autorizados. Como sou canhoto, ela fica do meu lado esquerdo.

Essa ilha é uma porção de aveia rodeada por suco de jabuticaba com ameixa. Nela, como em toda ilha, tem coqueiros, pedras e areia. Mas os coqueiros dão palmito, as pedras flutuam e a areia tem gosto de groselha. Também tem nuvens no céu azul, mas, dessas, eu não sei o sabor nem o número da certidão de nascimento, pois, sempre que estou lá, ando por cima delas e sinto cócegas.

Na primeira vez que me lembro de ter ido para Onira, conheci uma barata roxa que era dona de um controle remoto. Ela tomava Coca-Cola, falava inglês e morava no norte, mas, como estava de férias, queria visitar o sul. Para isso, ela apertou um botão vermelho de seu controle e o planeta se inverteu. Segui o exemplo e passei a contrariar tudo o que um dia alegaram que era inalterável.

Depois que criei gosto pelo lugar, fiz amizade com portas, tubarões e edredons que pulavam amarelinha. Acredito que eu tenha ficado íntimo deles, pois, numa das vezes, uma vaca veio me contar que o delegado havia prendido a respiração, mas ela deu um jeito de fugir com ajuda de um sol que se chamava Iolanda.

Passei muito tempo lá até descobrir que, assim como todo território, essa ilha também tinha hino, bandeira e brasão: o hino era feito em mímica, a bandeira era dois e o brasão ficava na churrasqueira presidencial.

Certa vez, quando eu já estava me tornando adolescente, escutei um helicóptero falando para uma pétala de cravo que, em algum lugar daquela areia de groselha, havia um tesouro enterrado. Não tive dúvidas e comecei a cavoucar, com canudinho de milk-shake, até que atingi algo barulhento e curioso.

De repente, do buraco que havia se formado no chão, começaram a vazar palavras. Saíam como petróleo, porém com tamanhos, cores e formatos diferentes. Tinha palavra curta — pé — e tinha palavra longa — hipopotomonstrosesquipedaliofobia — e tinha palavra bonita — veludo — e tinha palavra assustadora — trovejante — e tinha palavra que nem era palavra — gunkh. Peguei um balde de almaço e comecei a juntar todas elas. Desde então, tenho feito meus relatos de todas viagens que faço por lá.

Hoje, passo mais tempo na ilha de Onira do que em qualquer outro lugar. Algumas pessoas se incomodam com isso, pois, sempre que precisam da minha atenção, estou ocupado demais cantando no karaokê com algum porco suíço. Vivem me dizendo que devo me esquecer de lá, não me apegar a essa loucura. Já cheguei a considerar a hipótese, mas não encontrei maneira de cumpri-la: lá, e apenas lá, posso me ousar e escrever crônicas sem um pingo de juízo.

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