sábado, 8 de dezembro de 2012

Era uma vez


Selecionado no Prêmio SESC de Literatura "Rubem Braga" — 2012


Saber se realmente os opostos se atraem ou se tudo não passou de uma mera coincidência não é de minha alçada. Sei apenas que receberei duras críticas, críticas construtivas e destrutivas, por ter dado meu último adeus ao bem-dizer e deixado a desejar com a estilística desta crônica. Embora pareça um comportamento inenarrável, tentarei agradar gregos e troianos ao revelar em alto e bom som esse segredo guardado a sete chaves.

Parece que foi ontem que a conheci, na aula de Literatura Brasileira. Era uma menina veneno, com olhos de ressaca e que dispensava quaisquer apresentações. De cabelos sedosos e nariz arrebitado, era uma bonequinha de luxo, cheia de não-me-toques. Era complicada e perfeitinha, uma virgem dos lábios de mel, mas que tinha um defeito incorrigível: abusava dos lugares-comuns.

Eu fugia dos vícios de linguagem como o diabo foge da cruz, então, digerir as palavras dela era chumbo grosso; corroíam em meu peito. Ela iniciava qualquer papo furado dizendo cobras e lagartos, fazendo caras e bocas. Eu fazia boca-de-siri para evitar o toma lá dá cá e colocava um ponto final na conversa. Mesmo assim, ela roubou meu coração e me fez ter uma vaga ideia do que é se entregar a uma paixão avassaladora.

— Mergulhei nas páginas de um livro — ela contava — tão sem eira nem beira que fico com vontade de tecer comentários que caiam como uma bomba no autor. Mas tenho medo de chover no molhado. Será que não é melhor correr por fora e fugir da raia na hora da resenha em vez de botar pra quebrar?

— É — eu respondia, enquanto pensava na morte da bezerra.

Ela dizia que só abria a boca quando tinha certeza, mas a minha certeza era a de que ela só assassinava a gramática. No fundo, esse jeito de ser a transformava em uma lenda vida. Talvez o cérebro dela fosse um esgoto a céu aberto ou tivesse sofrido uma lavagem cerebral quando criança, pois estava literalmente tomada pelos erros crassos. Eu arrastava a asa para ela, mas, para não dar bandeira, logo batia em retirada e respirava aliviado.

Virar a página, no entanto, não adiantava. De um leque de opções, ela era a única que preenchia minha lacuna. Era uma faca de dois gumes: ou ela ou a língua portuguesa. Tinha medo de meter o pé pelas mãos, mas não tive escolha: conjuguei esforços e pus as cartas na mesa. Por ela, tomaria banho gelado no inverno e iria a pé do Oiapoque ao Chuí. Ela podia cantar vitória e sagrar-se campeã.

Já na reta final, encerro esta crônica com chave de ouro, afirmando que chegamos a um denominador comum. Eu me entreguei a ela de mãos beijadas, dando um tiro de misericórdia no conhecimento linguístico que ainda tinha. Num futuro próximo, ela seria uma esposa dedicada que me daria um filho exemplar. Eu seria seu eterno apaixonado até que ela se tornasse uma viúva inconsolável.

Dei a cartada decisiva: desfiz o laço indissolúvel que tinha com o bom português e me aliei ao inimigo, afinal, quem vê cara não vê coração. E quem vê coração não dá muita importância ao lugar-comum, pois não há maior clichê do que morrer de amores.

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